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Nº 5694
Opinião

Medo e serenidade na pandemia

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Por Marcos Davi Melo. médico e membro da AAL e do IHGAL | Edição do dia 19/09/2020 - Matéria atualizada em 19/09/2020 às 06h00

Quando Platão reunia os filósofos e seus discípulos nos Jardins de Academus (daí, academia) não era para proferir ou ouvir discursos, mas para conversar sobre a melhor forma de se viver. Para Kant, se a Providência nos quisesse fazer seres plenamente felizes, teríamos nascido desprovidos de inteligência: para sermos plenamente felizes necessitaríamos ter todos aqueles que amamos também felizes. Se alguém que é próximo a nós não estivesse igualmente feliz, como poderíamos sê-lo? Isso só seria possível em transitórios momentos de alegria. Nietzsche cunhou o axioma “O sábio é aquele que consegue se arrepender um pouco menos, esperar um pouco menos e amar um pouco mais”. Nessa pandemia da Covid-19, como ficamos?

O filósofo contemporâneo francês Luc Ferry interpretou Nietzsche: isso é porque vivemos presos ao passado por boas lembranças e dessa forma seríamos possuídos pela nostalgia, como também por más recordações, quando seríamos embotados por mágoas, ressentimentos e ódios, e seríamos também presos ao futuro, principalmente pelo medo do que possa nos acontecer e aos que amamos. Seria preciso encontrarmos formas adequadas para enfrentar o medo. Luc Ferry, com palestras proferidas no Brasil, onde esteve para participar do evento “Fronteiras do Pensamento” ( acessível também pela internet), afirma que precisamos domesticar a nostalgia e o ressentimento herdados do passado e também o medo do futuro, para tentarmos alcançar a serenidade, a melhor forma de se viver, aproveitando ao máximo, evidentemente, os fortuitos momentos de alegria, principalmente quando compartilhados com os que amamos. Nessa perversa pandemia do Covid-19, nos encontramos retidos num labirinto kantiano: estamos presos ao passado recente, do qual temos ótimas recordações, simplesmente porque não estávamos submetidos aos rigores da pandemia e da quarentena e igualmente temos medo do futuro, tanto pelo vírus como pelas consequências econômicas e sociais que possam dela advir. Daí, a serenidade, estágio de equilíbrio mental pessoal e coletivo extremamente desejável e salutar, torna-se uma busca dificílima, mas necessária. Essa busca não depende somente de nós e dos que amamos, a realidade que nos cerca e as suas alterações influem enormemente nessa desafiadora tentativa. Os fatos do cotidiano dificultam a procura pela serenidade: as vacinas em estudos até agora não mostraram evidências de efetividade geral e, por longo tempo, provavelmente, a Covid-19 permanecerá como mais uma virose sazonal e permanente, o que obrigará a mudanças reais na rotina de milhares de pessoas. No cenário político, a insegurança não é menor: o combate à corrupção no País, uma das metas essenciais da população, é enfraquecida e torpedeada nas altas esferas do Poder, à medida que agentes públicos detentores de força e influência veem a si e a seus familiares cada vez mais publicamente vinculados com a corrupção e desvios de dinheiro públicos: resta-lhes, conjuntamente conectados, cercear as investigações e a sua divulgação pública . Na economia, a guerra gastos de interesse público versus gastos de interesses da reeleição fica mais feroz e despudorada. A busca pela serenidade nessa pandemia sofreu cruel sobrecarga no Brasil com a postura negacionista da ciência e de menosprezo pela gravidade da pandemia, além das repetidas manifestações públicas golpistas antidemocráticas com a participação do Executivo, o que acarretou mais ansiedade, insegurança e medo à população já emocional e socialmente fragilizada. O comportamento dos que fomentaram esse cenário e dos que o apoiaram é de imaturidade, infantilidade e histeria sociais, antagônicos da serenidade, o estado mais próximo da felicidade no mundo real, embora não o seja no mundo virtual dos radicais, extremistas e dos que querem contradizer os fatos, enganando a comunidade a se a si mesmos. Serenidade é maturidade, moderação e equilíbrio, sem isso nenhum País avança.

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