Cúmplice de um crime?
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Por Editorial | Edição do dia 17/10/2020 - Matéria atualizada em 17/10/2020 às 04h00
Faz cinco meses que a Gazeta destacou aos seus leitores a preocupação manifestada por órgãos de fiscalização em relação aos recursos públicos aplicados no combate à pandemia em Alagoas. Era mês de abril e a disseminação da Covid-19 estava em ascensão. Até integrantes da bancada federal alagoana cobravam do governo Renan Filho absoluta transparência na prestação de contas dos recursos enviados ao Estado pelo governo federal.
Quem tem o dever de acompanhar com lupa os escaninhos do serviço público, sabe que a legislação dá guarida a decretos de emergência e de calamidade pública, diante de uma grave crise sanitária, como esta que ainda vivenciamos. São ferramentas úteis para acelerar o socorro a quem precisa. Mas tais instrumentos, quando e vez, podem abrir janelas para contratações sorrateiras. O Ministério Público de Contas, que tem a missão de auxiliar o Tribunal de Contas do Estado na fiscalização da administração pública, já havia recomendado ao governo de Alagoas a apresentar um plano de investimento dos R$ 32 milhões reservados para pagamento do serviço da dívida pública. Como se trata de obrigação perante o Tesouro Nacional, o investimento local desse montante exige uma prestação de contas muita clara, inclusive aos olhos da União. Já em junho, enquanto a pandemia avançava produzindo vítimas, o Ministério Público Federal já acionava a Controladoria Geral da União. O alvo dos auditores era o levantamento de informações sobre o pagamento antecipado de novos respiradores mecânicos. A transação feita pelo governo de Alagoas era através do chamado Consórcio Nordeste, integrado pelos nove Estados da região. A operação de compra foi fechada no início de maio, e o Estado desembolsou R$ 5 milhões por 30 ventiladores clínicos de UTI. O Consórcio arrecadou R$ 48,7 milhões pela aquisição de 300 unidades. Embora o dinheiro do contribuinte alagoano tenha sido autorizado a seguir para a conta da empresa Hempcare, nenhum equipamento foi entregue a Alagoas. Ali já pairava no ar a suspeita de uma transação fraudulenta.
Agora, o Ministério Público de Contas do Estado emitiu parecer pelo qual atesta as irregularidades e o prejuízo que a operação de compra de respiradores causou ao erário alagoano. Pelo histórico de cobrança por transparência, o novo fato da semana escancara a letargia do governo do Estado em resolver o problema. E quanto ao governo, é vítima ou acumpliciou-se ao crime? Certamente, o contribuinte aguarda respostas.
Enquanto isso, o Estado permanece em silêncio ou busca uma narrativa em que se terceiriza responsabilidade. O caso dos respiradores é um escândalo que nasceu da intenção de socorrer vidas humanas. É preciso, portanto, oxigenar, intensificar mais a investigação, inclusive com ação da força-tarefa anunciada há algum tempo, pois, ao que parece, há mistura de grana federal e estadual no meio dessa operação.