app-icon

Baixe o nosso app Gazeta de Alagoas de graça!

Baixar
Nº 5693
Opinião

Os médicos e a pandemia

.

Por Marcos Davi Melo - médico e membro da AAL e do IHGAL | Edição do dia 17/10/2020 - Matéria atualizada em 17/10/2020 às 04h00

Afirmava Sócrates: “Existe apenas um bem, o saber, e um mal, a ignorância”. Compondo a linha de frente dessa guerra que é a pandemia do Covid-19, no início de setembro de 2020 já existiam no Brasil 248 médicos mortos em decorrência da pandemia. Somando-os aos seus indispensáveis companheiros de luta, as enfermeiras e técnicos de enfermagem, o número de mortos já ultrapassava mil, o que, em se comparando com os militares da FEB que foram enfrentar as ditaduras fascistas na Europa e somaram ao final da Segunda Guerra mundial (1939-1945) 450 óbitos de pracinhas,13 de oficiais e 8 de pilotos, num total de 471 mortos, evidencia-se uma calamidade que se aprofundou e ainda não tem final garantido. A atual pandemia ainda mata acima de 750 pessoas/dia no Brasil, quase o dobro dos pracinhas abatidos durante todo o maior conflito armado mundial, número que já foi o dobro. 18 de outubro é dia de São Lucas e também o Dia dos Médicos. Existem motivos para celebrá-lo?

Hoje, com praticamente nove meses dessa guerra ininterrupta e, exausto, os médicos e demais profissionais de saúde dessa trincheira de frente observam com muita cautela uma tendência de redução da média móvel de mortes no País, que já ultrapassa os 152 mil óbitos e que ainda é eivada de incertezas, tanto pela vacinação segura e em massa ainda ser um ponto futuro, como por termos em países desenvolvidos da Europa uma provável segunda onda da pandemia, atormentando os profissionais de saúde, ameaçando uma retomada das duras e desgastantes medidas de afastamento social e o temor pela angústia dos hospitais novamente superlotados. Os médicos e demais profissionais de saúde, contudo, podem constatar orgulhosos que obtiveram grandes progressos no embate direto com o novo coronavírus. Os mecanismos de suporte respiratório tiveram consideráveis avanços. As abordagens terapêuticas foram bastante aprimoradas com a introdução de drogas que combatem as complicações nas fases inflamatória e imunológica, com a adição de corticoides e anticoagulantes, entre outros. A Medicina conseguiu uma redução da mortalidade nos casos mais graves que chega a 30%, e num curto período. Para esse consistente avanço, ela não se pautou em falácias da internet, nem soluções pseudo milagrosas, mas nas premissas da ciência de Andrew Willes de Princepton: “Fazer ciência é tatear, apalpar, cutucar e tropeçar, e então descobrir um interruptor, até, acidentalmente, se erguer e acender a luz”. Dessa forma, conforme Johnson escreveu, “o conhecimento é de dois tipos: nós mesmos conhecemos o objeto ou sabemos onde encontrar informações”. Foi também observando a experiência acumulada. E, nessa pandemia, consultando algoritmos e estudos de inteligência artificial, visando ao amanhã, que a manutenção das medidas sanitárias de prevenção e cuidados consolidam-se como essenciais e indispensáveis, como o uso de máscaras, a limpeza contínua das mãos e a testagem ampla e persistente da população, identificando os infectados, monitorando-os e isolando os seus contatos, para que a pandemia não fuja ao controle e favoreça novos surtos letais, enquanto uma vacina efetiva e segura não for disponibilizada em larga escala. Os médicos, profissionais de saúde e instituições que se alinharam à ciência e à Medicina Baseada em Evidências (MBE), recorrendo às publicações científicas validadas nos grandes periódicos científicos internacionais, à OMS e às sociedades científicas, podem se orgulhar. Principalmente aqueles que, como afirmava Camus, não só praticaram o bem, como o afirmaram publicamente, orientando a comunidade e salvando vidas através da transmissão desse conhecimento. Foram corajosos, enfrentaram o “achismo”, o negacionismo científico e a politização da pandemia, com a serenidade e o equilíbrio indispensáveis. Foram fiéis herdeiros do legado de Hipócrates, que pioneiramente separou a Medicina das crenças, do sobrenatural e das superstições. Legado que precisa ser preservado para que a humanidade prossiga a sua saga de superação de adversidades e sobreviva com solidariedade e humanismo.

Mais matérias
desta edição