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Opinião

O que estamos fazendo?

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Por Valdilene Silva - graduanda em filosofia pela Ufal. | Edição do dia 13/01/2021 - Matéria atualizada em 13/01/2021 às 04h00

O fenômeno da subsidência que se caracteriza pelo rebaixamento da superfície dos terrenos devido às alterações ocorridas no suporte subterrâneo em virtude da extração de fluido do subsolo, a exemplo do sal-gema, que está acontecendo em vários bairros da cidade de Maceió, equiparou, de certo modo, os moradores dessas regiões aos apátridas.

Os apátridas irrompem no cenário mundial como uma das consequências da 1º Guerra Mundial, se caracterizando pela perda do lar com a inédita possibilidade de encontrar outro lar e pela perda da proteção do governo em todos os países. Essa igualação ocorre, não no sentido da dificuldade do ser humano de conviver com o diferente, em aceitar a pluralidade como condição humana, como aduziu Hannah Arendt, ao examinar detidamente a questão dos apátridas. As similitudes entre os apátridas e os moradores das regiões atingidas pelo o fenômeno da subsidência, são de outra ordem. Tal quais os apátridas cuja singularidade da sua condição é especialmente marcada por sua relação com as leis dos Estados onde viviam, situação explicitada por Arendt: “sua situação angustiante não resulta do fato de não serem iguais perante a lei, mas sim de não existirem leis para eles”, os moradores do Pinheiro, Bebedouro, Bom Parto e adjacências, também vivem o drama do desamparo das leis, como se estas não servissem para a sua proteção e não dessem conta das suas existências. Como os apátridas, os moradores perderam os lares, perderam a familiaridade da vida cotidiana na região, e, ainda perderam as ocupações, o que significa o sentido de ter alguma utilidade no mundo. Arendt, ao se debruçar sobre o drama dos apátridas, apontou a inadequação da conceituação clássica acerca dos direitos humanos, especialmente frente a situações como as dos apátridas. Ela na sua inquietação de filósofa na busca por entender os males de seu tempo: “[...] o que proponho, portanto, é muito simples: trata-se apenas de refletir sobre o que estamos fazendo.” A situação dos bairros afetados pela mineração da Braskem, tão bem explorada no filme de ficção Subsidência, dirigida por Beatriz Vilela e Marcus José, que explorando um cenário pós-apocalíptico, apresentam a destruição, o desalento e o abandono da região, a partir olhar da protagonista solitária, atualiza dramaticamente a questão proposta por Arendt: “O que estamos fazendo?

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