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Nº 5821
Opinião

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IVONE TORRES * Definir serviços públicos neste País e especialmente em Alagoas é um encargo de fácil descrição. É simples, é o caos. Recentemente vivi momentos de horror quando fui chamada, às 21h, para ir à Unidade de Emergência pois “alguém que se d

Por | Edição do dia 11/02/2004 - Matéria atualizada em 11/02/2004 às 00h00

IVONE TORRES * Definir serviços públicos neste País e especialmente em Alagoas é um encargo de fácil descrição. É simples, é o caos. Recentemente vivi momentos de horror quando fui chamada, às 21h, para ir à Unidade de Emergência pois “alguém que se dizia minha amiga iria morrer se não fosse socorrida” e pedia que me chamassem. Ao chegar encontrei uma pessoa muito querida que morou muitos anos em minha casa, cuidou de minhas filhas para que eu pudesse estudar e trabalhar. Sentada em uma cadeira de rodas de aço frio desde às 15h, havia dado entrada e até aquele momento o médico ainda não tinha sequer olhado para ela. Alzira... era assim que se chamava, pareceu aos meus olhos madre Tereza de Calcutá por sua fragilidade, humildade e sofrimento. Lhe pedi que se estivesse me reconhecendo apertasse minha mão, ela apertou e a lágrima rolou por sua face desfigurada, quase sem vida... Já respirava com dificuldade. Nem oxigênio, nem medicamento lhe haviam prescrito. Depois das 8 horas, sentadinha, aguardando a sua vez que nunca chegaria pois o médico do plantão me disse que nada poderia fazer pois não tinha leito disponível. Como se apenas o leito resolvesse a situação. Pessoas se aglomeravam em colchonetes no chão. Jurei a minha amiga que a levaria dali. Indignada chamei a imprensa para que registrassem um pós-guerra. Não deixaram que entrassem, não podiam mostrar imagens tão fortes, tão indignantes. Era a dor da cidadania vilipendiada. As chamadas autoridades se reúnem para avaliar o que melhorou quando nada fazem de concreto. A preocupação é o que aparece, o que dá para mostrar temporariamente. O problema me parece que as pessoas estão sendo “coisificadas”. Ao ser humano não está sendo dada a prioridade que merece, o mínimo de atenção básica necessária para que, como criaturas, sejam agentes de si mesmo. As pessoas sofrem e precisam urgente de cidadania. Pensa-se, imagina-se, discute-se e sempre se fica a depender da vontade daqueles que se individualizam no seu egoísmo e se preocupam apenas em manter as mordomias que envolvem a elite dominante, revelando um cenário pomposo, rico, cheio de futilidades e ilusões, contrastando com o cenário das favelas, das patogenias do descaso. O dano maior se faz na ponta do sistema, quando as pessoas dormem nas filas e não sabem para onde ir, não existe referência. O atendimento mínimo lhes é negado. O que assistimos é muito trágico. É preciso ter consciência que a saúde não é um bem postergável ou alienável. Não pode e não deve ser tratada como irrelevante nos polinômios da macroeconomia. Precisa-se gritar bem alto para que se escute o eco da dor. A orquestra de forma desarmônica precisa parar de tocar desta forma, ferindo os ouvidos da cidadania que, incrédula e desinformada, recolhe-se a sua humildade e entrega a Deus. Ah!... que saudades Alzira!.. A tristeza de saber que não fosse a omissão dos homens e talvez só um pouco de humanização no atendimento na hora que você mais precisou, estarias a nos brindar com a sua companhia alegre e festiva e sua cozinha deliciosa. Mas você está no céu, pedindo ao Pai que faça os homens mais dóceis, que lhes ensine acima de tudo a carregar rosas. E aqui continuarei na luta que você tanto dizia ser uma luta sem fim, em busca de dias melhores para os menos favorecidos, tentando mostrar àqueles que teoricamente nos representam que a vida não é feita de renovações políticas, de arranjos partidários ou de troca de acusações. A vida é a vida, feita de trabalho em busca da felicidade, é preciso fazer o óbvio. Já se discutiu muito, precisa-se pôr em prática o retorno que tem continuidade, a semente que se planta e que dá frutos, que é o poder da informação. Precisamos virar esta página negra que escurece os nossos horizontes e clareá-los com as esperanças do porvir. Precisamos exercitar o “ouvir,” o “escutar,” o raciocínio da necessidade urgente da “transformação”. Necessitamos mudar as cifras de um Estado decadente cheio de contrastes, galvanizado pela esperança de seus habitantes que insistem em declamar o evangelho da solidariedade e da força que caracteriza “ser o povo alagoano antes de tudo um forte”. (*) É MÉDICA PEDIATRA

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