OPINIÃO
Uma história de horror
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Tomé de Souza, primeiro governador-geral do Estado do Brasil, nomeado por D. João III em 1549 (quase meio século depois da passagem de Pedro Álvares Cabral), parece ter inaugurado o estilo “rouba, mas faz”, consagrado séculos depois pelo governador Adhemar de Barros. Foi enviado para cá com plenos poderes a fim de garantir a conquista das novas terras a Portugal. Em seu primeiro relato ao rei, informou que havia em toda a parte povoada por europeus “uma pública ladroagem e grande malícia, porque cuidavam de que não lhe haviam de tomar nunca conta, viviam sem lei e não conheciam superior”. Tomé de Souza resolveu botar ordem na bagunça. O primeiro saneador das contas públicas já em seu primeiro triênio gastou uma quantia considerada excessiva na época, 300 mil cruzados em soldos, ordenados de ministros, edifícios da Sé, casa dos padres da Companhia, ornamentos, sinos, artilharia, gado, roupas etc. O dinheiro rolou solto. Afinal, o rei ordenara que seu enviado ao longínquo Brasil poderia “fazer algumas dadivas a quaisquer pessoas”.
O cronista da época, o frei franciscano Vicente do Salvador, anotou que, ao retornar à Portugal, Tomé de Souza não deixou saudades mas levou imensa riqueza a abarrotar os porões do galeão. O mesmo cronista franciscano, todavia, anotou que outro governador-geral do Brasil, Luís de Souza, deixou “a todos saudosos com a sua ausência, porque nunca por obra nem por palavra fez mal a alguém, e foi rico sem tomar do alheio”. Tomé de Souza inaugurou entre nós o governo da BOQUINHA. Séculos depois, Carlos Lacerda, cognominado “O Corvo”, por realizar campanhas elevadamente moralizantes, panfletárias e explosivas contra a corrupção e que levaram Jânio Quadros à renúncia, agia com ataques pessoais violentos a governantes adversários, chamando-os de ladrões de cavalos e depravados. Alguns anos depois, já eleito governador, o escândalo veio a público: sua campanha fora bancada pela contravenção, sendo aberta uma CPI do Jogo do Bicho, onde se constataram essas ilicitudes e indícios de contrabando de armas. A CPI do Senado demonstra uma face inusitada e extremamente perversa desse horror: enquanto em plena pandemia de Covid-19 brasileiros morriam como moscas por falta de vacinas e o governo desprezava longa e insistentemente as doses da Pfizer, um submundo criminoso que seria constituído por políticos, oficiais graduados do Exército, reverendos evangélicos e intermediários, se engalfinhavam dentro do Ministério da Saúde para tirar proveitos financeiros. A longa história de horror nacional é acrescida por corruptos que dificilmente serão superados em insensibilidade, desumanidade e crueldade. O Brasil precisa demais fortalecer as suas instituições do Estado de Direito democrático e valorizar a imprensa livre para não ser engolfado definitivamente por esse horror.