Fantasia e realidade
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Por Marcos Davi Melo - médico e membro da AAL e do IHGAL | Edição do dia 14/08/2021 - Matéria atualizada em 14/08/2021 às 04h00
Nos deixaram quase que juntos dois ícones nacionais: Paulo José, que entre tantos papeis marcantes nos deslumbrou no filme Macunaíma, da obra homônima de Mário de Andrade em roteiro adaptado magistralmente por Joaquim Pedro de Andrade, e Tarcísio Meira, primaz dos galãs de novelas nacionais. Ambos deleitaram espectadores pelos rincões brasileiros, levando-nos para aquele mundo da ilusão que Rubem Alves descreveu “É isto que amamos nos outros: o lugar vazio que eles abrem para que ali cresçam as nossas fantasias”. Pena que Tarcísio Meira tenha partido por ser mais uma vítima do Covid-19, que já levou 570 mil brasileiros e cuja CPI teve mais uma semana tumultuada, mas com algumas informações desconcertantes.
Foi na CPI onde o diretor da empresa Vitamedic informou que um estranho “Manifesto pela vida”, subscrito por um grupo intitulado “Médicos pela Vida”, publicado em alguns jornais do País divulgando medicamentos ineficazes para Covid-19, o Tratamento Precoce, foi bancado pela fabricante de Ivermectina. Dessa forma teriam desconhecido o Código de Ética médica em 7 de seus artigos, imbricados no capítulo XIII, dedicado à Publicidade Médica, onde pelo art. 111 é vedado ao médico “Permitir que sua participação na divulgação de assuntos médicos, em qualquer meio de comunicação de massa, deixe de ter caráter exclusivamente de esclarecimento e educação da sociedade”. No art. 112 é vedado “Divulgar informação sobre assunto médico de forma sensacionalista, promocional ou de conteúdo inverídico “. Condena o art. 113 “Divulgar, fora do meio médico, processo de tratamento ou descoberta cujo valor ainda não esteja expressamente reconhecido cientificamente por órgão competente”. O art. 114 veda “Consultar, diagnosticar ou prescrever por qualquer meio de comunicação de massa”. O art. 116 proíbe “Participar de anúncios de empresas comerciais, qualquer que seja a sua natureza, valendo-se de sua profissão”.
Quando dessa publicidade nos jornais, em fevereiro de 2021, morriam mais de 3 mil brasileiros diariamente por Covid-19 e a luta pelas vacinas era cruel. Elas eram praticamente inexistentes no País. Os códigos de ética e a Bioética são postulados objetivos e sucintos, feitos para orientar os permeáveis comportamentos humanos. Visam eles proteger o profissional e a sociedade a quem presta os seus serviços. Em artigos anteriores, me debrucei sobre isso com muitas preocupações e não me compete julgar ninguém. Todavia, os juristas informam que ignorar a Lei não evita que ela nos cobre os seus tributos. Creio que é indispensável ao médico consultar regularmente o seu Código de Ética. Assim se prevenirá e se poupará de maiores constrangimentos para si próprio e para terceiros. No mundo real a fantasia não nos leva a lugar nenhum.