Opinião
UMA MEMÓRIA APAVORANTE
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Há quase 80 anos, Victor Nunes Leal escreveu um livro extraordinário - O Coronelismo, a enxada e o voto - em que ele descrevia essa relação que o Brasil velho construiu entre recursos do governo central, que criava alianças com os poderes locais, que se eternizavam nos cargos com essa troca de favores, usando transferências de recursos discricionários. Durante um tempo após a redemocratização, o Poder Executivo usou um pouco as emendas parlamentares para fazer esse tipo de jogo e isso foi condenado pela sociedade. Quando entraram as emendas parlamentares impositivas, ficou claro que tudo tinha que ser equitativo, o que foi rompido com a emenda do relator, a RP9. Nela, concentrou-se uma quantidade imensa de recursos na mão de poucas pessoas que decidem quem recebe ou não recebe, conforme as conveniências.
Em liminar que sustou a liberação dos recursos da RP9, seguida integralmente por 8 dos 10 ministros do STF, a ministra Rosa Weber considerou “violado o princípio republicano, pelos comportamentos institucionais incompatíveis com os princípios da publicidade e da impessoalidade e com a transparência no uso de recursos financeiros do Estado”. Não existiu ingerência indevida do Judiciário no Legislativo ou no Executivo, até porque o STF não agiu por impulso próprio, apenas reagiu a uma provocação de partido político, o que de quebra, estava em consonância com a opinião pública. Nada do que é público pode ser secreto. A preocupação legítima com a garantia de renda para a parcela mais pobre da população acabou carregando, a reboque, uma série de medidas que comprometem o desempenho da economia, como a PEC dos Precatórios, que expande os gastos públicos, uma licença pra gastar, que fura o teto, eleva os juros e provoca retração da atividade econômica, enquanto o câmbio desvaloriza-se impactando mais a inflação. A inflação atual é um fenômeno global, mas segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), a do Brasil é maior do que a de 87% dos demais países e a maior entre os emergentes.
A inflação é uma herança apavorante que remonta ao governo de Deodoro, agravada durante a Segunda Guerra mundial, e ao governo Dutra. Getúlio Vargas retornou ao poder pelo voto popular em 1950, em grande parte devido a três propostas: desenvolvimento, bem-estar social e o combate à inflação, que persistiu nos governos JK e Jango. No governo militar, a inflação atingiu 110% em 1980, e quando o governo militar terminou, em 1985, chegava a 235%. Continuou alta com Sarney e no governo Itamar Franco - quando a inflação ultrapassou 20% ao mês -, até a implantação do Plano Real. A inflação atinge todas as classes sociais, mas tem efeitos especialmente perversos sobre a população mais pobre - e não apenas porque ela está fora dos bancos e seu dinheiro não tem correção diária, mas porque seus itens de subsistência básica inflacionam ainda mais. Ela sabota o futuro e seus efeitos colaterais são maior escassez, mais desemprego, mais pobreza e mais violência. Com a palavra o Senado da República.