Opinião
Entremontes ( IV ): ainda sobre a “Casa Pedro II”
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Bisbilhotando na morada de dona Zilma, também lembrei que, naquela velha casa, cresceu um menino órfão, que ali vivera longos períodos com seus avós paternos, o velho Anacleto e dona Maria Francisca. Para lá, ele regressaria em momentos distintos de sua vida, inclusive na década de 1890, quando se recuperava de uma enfermidade nervosa. Refiro-me ao historiador alagoano (Francisco Henrique) Moreno Brandão (1875-1938), autor da “História de Alagoas” (1909) e de “O Baixo São Francisco” (1905). Ele já me socorreu com preciosos dados sobre uma peleja que venho estudando, envolvendo coronéis pernambucanos, seus jagunços e bandoleiros alagoanos em meados do século XIX. Mas, ninguém aqui lembra mais dele.
Ainda sobre a família da qual descende o historiador Moreno Brandão, transcrevo o que D. Pedro II notou e anotou, naquela visita de 1859 ao povoado de Entremontes: “[A familia de Anacleto Brandão] é quazi tudo n’esta povoação, sendo um dos filhos o capellão, outro o medico, e outro official da Guarda Nacional, tendo agora o medico pedido 50$000 por dia ao Presidente [da Província de Alagoas] para cuidar dos doentes de Piranhas de baixo” (notas editadas por Alcindo Sodré, e publicadas sob o título “Visita de D. Pedro II à Cachoeira de Paulo Afonso”, no Anuário do Museu Imperial de 1949. p. 141). Claramente, a fina ironia do imperador permeia o registro. Em seu relato sobre a “Viagem Imperial” à Cachoeira de Paulo Afonso, o correspondente do Jornal da Bahia, copiado pelo Correio Mercantil do Rio de Janeiro, assinalou: “prepondera alli [em Entremontes] uma família cujos oito membros se auxilião reciprocamente, tendo cada um profissão diversa” [Cachoeira de Paulo Affonso. Viagem Imperial. “Correio Mercantil”, Rio de Janeiro, 2 e 3 nov. 1859, p. 2). A boa conversa com dona Zilma foi interrompida por uma quase invasão bárbara de turistas que desceram o rio em lanchas, partindo de Piranhas. Gente grosseira, mal-educada e bolsonarista. Gente, em suma, que evito. O atendimento na modesta mercearia demandava a atenção da viúva. Despedi-me rapidamente e parti da casa que, em outubro de 1859, recebeu visitantes tão mais qualificados, discretos e civilizados. A horda lá permaneceu. Espero que, ao menos, tenham consumido na mesma proporção do estardalhaço que fizeram. Seria o suficiente para “encher as burras” da mercearia de dona Zilma. Como “não há mal que não traga um bem”, a horda trazia à reboque o Cangaceiro 29, autodenominação do guia turístico Cícero, visivelmente irritado com o grupo de incautos que conduzia. Já na praça, percebendo que Cícero havia se desembaraçado daquele grupo, puxei conversa, trocamos ideias, discordamos, concordamos sobre questões ligadas à história do povoado e, no fim das contas, o diálogo fluiu, e ele nos acompanhou até a Igreja da Conceição. Depois, levou-me à outra capelinha de aparência oitocentista, localizada a noroeste do povoado, em terras que, segundo ele, pertencem ou pertenceram aos Brandão. É uma pequena joia, posta às fraudas do monte norte que limita o povoado. Pena que não conseguimos acessar seu interior, onde, também segundo o guia, estão sepultados membros da família Brandão, descendentes do velho Anacleto. Quando voltar ao Entremontes, também quero voltar àquela capelinha e explorar o interior dela.