Opinião
Uma Semana de 100 anos
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A vaia que ecoou por todo o Teatro Municipal de São Paulo foi direcionada ao maestro Heitor Villa-Lobos ao conduzir orquestra sinfônica. Um torturante calo inflamado em seu pé o fez usar chinelos e o impediu de usar os tradicionais sapatos pretos. Mesmo assim, a plateia foi inclemente. Era o último dia da Semana de Arte Moderna (11 a 16/02/1922) que completou 100 anos. O Brasil e o mundo ainda se recuperavam da Gripe Espanhola, e atravessavam uma época de agitações culturais e políticas. No Brasil, se celebrava o Centenário da Independência e acontecia a Revolta do Forte de Copacabana. Na Europa, florescia a modernidade na cultura e formalizava-se a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), o primeiro país comunista do mundo, enquanto na Itália o fascismo se concretizava com Mussolini.
A Semana seria o marco zero para entender a reação de toda uma geração que rompeu com os padrões vigentes, muito vinculadas à cultura bacharelesca. O padrão era até então dado pela Academia Brasileira de Letras, fundada em 1897 por um colegiado de homens públicos e intelectuais do calibre de Machado de Assis, Graça Aranha, Oliveira Lima, Rui Barbosa e Joaquim Nabuco. Seguindo modelo da matriz francesa, a ABL reunia quarenta personalidades de peso, que na época representavam uma espécie de “arcabouço intelectual, moral e político da nação”. No entanto, com o correr do tempo, o grupo acadêmico ocupou lugar mais assentado e corporificou um padrão, sobretudo de conduta, que o manteve longe das vanguardas, das novas experiências simbolistas e modernistas, e, especialmente, do “grupo boêmio”, que se reunia nos bares e livrarias cariocas - verdadeiro clube de sociabilidade dessas novas gerações. Antirracista e inclusiva, teve como protagonistas principais Mario e Oswald de Andrade, Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Victor Brecheret e o músico Heitor Villa-Lobos, o maior nome da música brasileira, que incorporou o chorinho e o maxixe à sua monumental obra. Graça Aranha, da ABL, foi um de seus organizadores. O intento era renovar o ambiente artístico e cultural adotando experiências estéticas de vanguarda que ocorriam na Europa - como o futurismo italiano, o cubismo, o expressionismo -, mas fazendo uso de régua brasileira. Em 1928, era publicado o “Manifesto Antropofágico”, de Oswald de Andrade. Nele constavam de forma bem-humorada referências a Rousseau, Montaigne, Picabia, Freud. Mario de Andrade foi, todavia, o principal personagem desse “abrasileiramento cultural do Brasil”. Não era xenofobia ou aversão a valores estrangeiros. Seu fito era adquirir uma dicção própria, relacionada com as culturas e história de nosso País, o que tem resistido bravamente.
O sistema totalitário soviético, auto-extinto em 1991 por suas próprias mazelas, sufocou a criatividade artística com a imposição do “Realismo Socialista”. A Rússia tem um longíssimo histórico de autoritarismo herdado do absolutismo czarista, do totalitarismo comunista, sina que persiste atualmente como uma autocracia, cada vez mais ameaçadora e distante das democracias ocidentais.