Opinião
Brincando com fogo
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Em 2013, 242 jovens perderam a vida na Boate Kiss, por decisões indevidas, tomadas por pessoas com pouca ou nenhuma experiência na área de prevenção e combate a incêndios. Nove anos depois, em Recife, uma família teve seu réveillon afetado pela mesma falta de cultura sobre prevenção. Em ambos os casos, ‘artefato pirotécnico em locais fechados’. Após o caso da Kiss, quando mudanças nos regulamentos eram discutidas, havia uma preocupação: a fragilidade do sistema. É praxe que, após tragédias, se restitua a noção de segurança na sociedade com a criação de novas leis, mas, com o tempo e as flexibilidades, sem gerar mudanças comportamentais, o sistema perde eficácia. E novas tragédias ocorrem. O fogo é um dos meios para desenvolvimento social: dominado, gera calor, luz, energia; descontrolado, causa acidente, incêndio, tragédia, morte e destruição (vide o prédio da SSP). Por conta do debate na Assembleia Legislativa RS sobre o PLC 39/2020, alterando outra vez a Lei 14376, nossa Lei Kiss, é nosso dever, de novo, alertar a sociedade gaúcha às consequências do PL, que visa permitir a técnicos de nível médio a elaboração e execução do Plano de Prevenção e Proteção contra Incêndios (PPCI).
O ‘alvará dos bombeiros’ poderá ficar ainda mais fácil, mas conhecer as possibilidades e graus de risco das edificações, a correta escolha e o comportamento dos materiais e da estrutura em caso de incêndio, a necessidade de proteção às rotas de fuga dos ocupantes são apenas algumas das ações originadas de conceitos complexos, que requerem cursos de formação superior e constante especialização. Sem entrar no mérito da atribuição profissional, basta dizer que não é assim no restante do País - técnicos fazem PPCIs em apenas 3 estados - e só em 2020 iniciou o debate à criação de um currículo para técnico de segurança contra incêndios em nível médio. O incêndio surge no detalhe, mas nunca por acaso. Sua prevenção começa no comportamento e na cultura da sociedade, através de seus códigos e agentes públicos. Flexibilizar ainda mais a Lei Kiss, ao invés de buscar meios para difundir a cultura da prevenção contra incêndios, é brincar com fogo. Outra vez.