app-icon

Baixe o nosso app Gazeta de Alagoas de graça!

Baixar
Nº 5594
Opinião

Um exemplo para o Brasil atual

.

Por Marcos Davi Melo. médico e membro da AAL e do IHGAL | Edição do dia 11/06/2022 - Matéria atualizada em 11/06/2022 às 04h00

Ele era chocho e amorenado, daquele tipo que chamavam de “caboclo”. Era fim do século XIX e o interior do Brasil era desconhecido e desabitado. Como capitão do Exército assumiu a chefia da comissão responsável pela construção das linhas telegráficas que ligariam Goiás ao Mato Grosso, então um dos estados mais inóspitos. Aprendeu a sobreviver no sertão e iniciou o contato pacífico com os indígenas. Nascia Rondon, chefe da expedição de estudos ao inexplorado território amazônico, que durou de 1907 até 1910, tanto tempo que se acreditava que estava morto. Realizou muitas ações como a conhecida Expedição Rondon-Roosevelt. Essa empreitada ocorreu com a presença do ex-presidente norte-americano Theodore Roosevelt, quando estudaram os vales dos rios Paraguai e Amazonas.

Cândido Mariano Rondon era descendente de três povos indígenas (bororo, terrena e guaná) e órfão de pai. Jovem alferes, conviveu com um período de grande agitação social e política em razão da abolição da escravatura e da Proclamação da República. Apoiou tanto a abolição como a derrubada da monarquia no Brasil. Em 1939, passou a se manifestar publicamente contra o fascismo e atuou para que o governo brasileiro se juntasse aos aliados durante a Segunda Guerra Mundial. Enquanto sertanista, Rondon passou sua vida explorando as regiões mais remotas do Brasil, e ficou conhecido pelo respeito aos indígenas e pela luta para que seus direitos fossem reconhecidos. Segundo o jornalista Larry Rother, a relação de Rondon com os indígenas mudou ao longo do tempo. Inicialmente, sua postura a respeito dos indígenas foi a de defender a sua integração com a sociedade brasileira, mas apenas se fosse realizada pacífica e voluntariamente. Essa posição foi sendo abandonada nos últimos anos de sua vida porque ele passou a questionar a forma pela qual as autoridades tratavam os índios e a acreditar no direito deles de permanecer isolados. 

Essa postura respeitosa concedeu-lhe apoio de nações indígenas arredias nas aproximações com outras hostis. “Morrer se preciso for, matar jamais”, pregava.  Assumiu instituições de proteção, como o Serviço de Proteção ao Índio e o Conselho Nacional de Proteção ao Índio, e agiu na demarcação de terras indígenas, o que, conforme acreditava, era uma forma de protegê-los da cobiça daqueles que invadiam suas terras, cometendo todo o tipo de violência. O marechal Rondon foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz por Einstein. A proteção dos índios e do meio ambiente era promovida pelo Estado e a imagem nacional era excelente. Atualmente, a Amazônia é sede de organizações criminosas, com garimpos ilegais que envenenam seus rios com mercúrio, contrabando de madeiras de lei, tráfico de drogas, pesca ilegal e crimes hediondos contra os indígenas, e constata-se a devastação da natureza. 

O desaparecimento do indigenista Bruno Araújo Ferreira e do jornalista inglês Dom Phillips é um gigantesco retrocesso no tratamento dos indígenas e do nosso meio ambiente. O marechal Rondon, se vivo fosse, morreria de vergonha pela imagem de terra selvagem e sem leis que o Brasil há vários anos tem apresentado ao mundo.

Mais matérias
desta edição