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Nº 5814
Opinião

Perplexidades

MARCOS DAVI MELO* Chegar aos cinqüenta, não é só sentir no corpo as inevitáveis mudanças da idade: os cabelos a embranquecer, a barriga e os estrepes que teimam em crescer, apesar das caminhadas. A digestão difícil para as comidas pesadas e fora de hora

Por | Edição do dia 19/04/2002 - Matéria atualizada em 19/04/2002 às 00h00

MARCOS DAVI MELO* Chegar aos cinqüenta, não é só sentir no corpo as inevitáveis mudanças da idade: os cabelos a embranquecer, a barriga e os estrepes que teimam em crescer, apesar das caminhadas. A digestão difícil para as comidas pesadas e fora de hora. É também compartilhar com outros contemporâneos as perplexidades do quotidiano. Reclamava um esforçado cinqüentão: “Dou mesada generosa para os meus filhos; carro e gasolina; pago faculdade particular que eles não dão muito valor; dormem sempre até tarde; comem só o que e quando querem; namoram quase todo dia; tem mordomias de sultão árabe e ainda reclamam! E vá ver no final não têm emprego, nem colocação pra eles sustentarem esta situação. E aí, como fica?” Divaguei e voltei no tempo. Como muitos outros, oriundos da classe média, cursei o nível superior longe de casa, com uma mesada minguada que onerava só o possível da renda familiar, já comprimida em sua rotina espartana. Carro, só fui ter quando formado e com residência médica feita, voltei para Maceió com proventos garantidos ao final do mês. A primeira vez que peguei na direção para dirigir o meu primeiro fusca, usado, embora conservadíssimo, comprado a meu pai, foi tão inebriante que dirigi-o horas a fio com o freio de mão ligado. As noitadas estudando anatomia, semiologia, fisiologia e outras matérias fundamentais eram longas e à base só de cafezinho. Uma vez por semana, normalmente véspera de uma prova, por demais estudada e temida como para relaxar, nos dávamos ao luxo supremo e comíamos cada um uma fatia de pizza de mussarela com Coca-cola. Nunca, jamais, me sairá da boca aquele sabor. Inigualável. Experimentei pizzas depois em vários lugares: São Paulo, Roma, Florença, Veneza. Nunca encontrei nada parecido e possivelmente, não encontrarei. Só se entrar na máquina do tempo de H.G. Wells. As noitadas, com cerveja e rum montila, unicamente uma vez na semana, por mais que existisse sede e quase nunca em dias úteis. Só nos fins de semana. Assim também em relação ao cinema e ao futebol. Mesmo namorar, que era barato, quase de graça, o estudo da anatomia dos livros nos tirava o prático com as meninas. E a maioria das meninas era virgem, acreditem, ou não, os abaixo de trinta. Hoje é muito diferente e penso, é perplexidade se não geral (sempre tem os nascidos já bafejados pela fortuna que vão debochar destes pífios raciocínios), mas de muitos dos que convivo. Os meninos e meninas têm uma vida muito diferente da nossa, quando em idades e fases semelhantes. Hoje, querem e tem carro tão logo passam no vestibular, mesada nababesca, roupas de grife! Manter a coerência consigo próprio, entretanto é vital. O bom é tentar incutir esta norma na rapaziada. Não é fácil, mas se justifica. (*) É MÉDICO

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