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Opinião

Os manifestos

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Por Marcos Davi Melo - médico e membro da AAL e do IHGAL | Edição do dia 06/08/2022 - Matéria atualizada em 06/08/2022 às 04h00

Logo depois da expedição do Ato Institucional Número 5 (AI-5) em 1968 - uma imposição da ala radical das Forças Armadas -, a imprensa foi censurada previamente: oficiais do Exército analisavam nas redações dos jornais as matérias e diziam o que poderia ser publicado no dia seguinte. Jornais tradicionais que apoiaram os militares desde o início, como o Estado de São Paulo e o Jornal da Tarde, diante da censura a textos que desagradavam o regime militar e eram vetados, começaram a publicar poesias de Camões “Amor é fogo que arde sem se ver; é ferida que dói e não se sente” e receitas de bolo.

As poesias de Camões (“É um contentamento descontente; é dor que desatina sem doer”) publicadas em páginas originalmente destinadas a temas políticos, embora agradassem aos amantes da literatura e causassem certa incompreensão nos demais leitores, não tiveram maiores consequências. As receitas de bolo, todavia, desencadearam uma inesperada avalanche de telefonemas de indignadas senhoras para as redações - ora que nenhuma daquelas malditas receitas davam certo e no final os bolos eram absolutamente intragáveis! Eram justíssimos aqueles protestos, já que as receitas tinham sido inventadas por jornalistas que não sabiam fritar um ovo, somente para preencher os espaços, pois deixá-los vazios era proibido. Com o tempo, até as poesias de Camões (“É um não querer mais que bem-querer; é um andar solitário entre a gente”) e as incomestíveis receitas de bolo cansaram e levaram a uma queda de leitores e das publicidades, as principais fontes de provimento dos jornais. Isso propiciou o surgimento de uma imprensa nanica e alternativa, que tentava escapar da censura, e jornais como o Pasquim chegaram a publicar 200 mil exemplares por edição. Uma certa senhora foi destinada para ser a sua censora. Coincidentemente, era fã do hebdomadário, e não só fazia vistas grossas às gozações do Jaguar, do Millôr, do Paulo Francis e do Sérgio Cabral, como arrochava no uísque da redação, até ser afastada pelos militares. A censura à imprensa não ficou restrita às matérias políticas: a epidemia de meningite de 1970 não pôde ser divulgada para alertar e prevenir a população do risco de contágio, a pretexto de “atentar contra a segurança nacional”, até o número de mortes entre crianças elevar-se tanto que inviabilizou a sua censura. É estranho que depois de 21 anos de ditadura militar e redemocratizado, o Brasil necessite unir atores historicamente atuantes em campos opostos, como as patronais FIESP, FEBRABAN e a Federação do Comércio de São Paulo com os sindicatos de trabalhadores em torno de um Manifesto em Defesa da Democracia, como o Manifesto da USP, a ser lido no próximo dia 11. Mais estranho ainda é que esse manifesto, mesmo sendo impessoal e apartidário, e não sendo favorável ou desfavorável a nenhum candidato ao pleito eleitoral próximo, levou algumas pessoas a atacá-lo, quando ele surge apenas em defesa da democracia e da transparência, da imprensa livre e da informação correta, da economia brasileira e da indispensável pacificação nacional.

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