Opinião
O Nobel e a religião
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Alfred Nobel inventou a dinamite e ficou bilionário com isso, mas teve tantos dramas de consciência com o uso belicoso de sua criação em guerras e os seus milhares de mortos, que doou os seus rendimentos para a criação da Fundação Nobel, através da qual a Academia Sueca concede os prêmios anuais que contemplam a Medicina, a Paz, a Química, a Física, a Economia e a Literatura. Neste ano, a contemplada em Literatura a francesa Annie Ernaux, professora de literatura que escreveu sobre o aborto que teve nos anos 1960. Segundo a Academia ”o prêmio foi concedido pela coragem com que desvenda as raízes, os entranhamentos e os constrangimentos coletivos da memória individual”.
Um dos favoritos para receber esse Nobel, o iraniano Salmon Rushdie, autor do livro “Versos Satânicos”, onde denuncia a perseguição das mulheres em seu país, recebeu dos aiatolás uma “fatwa”, sentença de morte com duração de 100 anos, razão pela qual vive exilado e escondido em lugar incerto, provavelmente nas cercanias de Londres. Gabriel Garcia Marquez, ao receber o prêmio Nobel de Literatura, proferiu o célebre discurso “A solidão da América Latina”, onde descreve a interminável sucessão de situações tão incríveis e abomináveis quanto reais, entre elas a do general Antônio Lopez Santana, que foi três vezes ditador do México, se enterrou com um funeral magnífico, com todas as honrarias e com a sua perna direita mumificada e amputada na Guerra dos Pasteis. Outro caso descrito é a do general Gabriel Garcia Morena, que governou o Equador por 16 anos como monarca absoluto e, ao morrer, teve o seu cadáver velado com uniforme presidencial de gala e sua couraça de condecorações, sentado no trono da presidência, entre tantas bizarrices. Mais recentemente, Hugo Chavez, o fundador do bolivarianismo venezuelano, mesmo estando morto há tempos, segundo o seu herdeiro, o Maduro, lhe aparece regularmente em forma de pássaro para o iluminar e conduzir a Venezuela e a América Latina para a sua redenção social e econômica - o desastre venezuelano todavia, não é fantasia, é uma realidade. Caso estivesse vivo, o genial Gabriel Garcia Maquez teria nas eleições brasileiras um cenário que nem a sua consagrada literatura fantástica imaginou: é como se tivéssemos reproduzindo agora e aqui a Guerra dos Trinta Anos, ocorrida na Idade Média, quando católicos e protestantes, surgidos com a Reforma Protestante de Lutero, guerreando-se, causaram mais mortos do que a soma das duas Guerras Mundiais do século 20. Swift, que foi contemporâneo da Guerra dos Trinta anos e de suas milhares de vítimas fatais, escreveu: “Temos religião para fazer-nos odiar, mas não o bastante para fazer-nos nos amar uns aos outros”. Creio, entretanto, que a religião pode ser um elo de aproximação, entendimento e pacificação entre as pessoas, desde que os seus líderes tenham essa concepção consolidada e a levem aos fiéis com sinceridade.