As joias da coroa .
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Por Marcos Davi Melo - médico e membro da AAL e do IHGAL | Edição do dia 11/03/2023 - Matéria atualizada em 11/03/2023 às 04h00
D. Pedro II resolveu homenagear a imperatriz Tereza Cristina no dia 14 de março de 1882 e ofereceu-lhe um baile comemorativo ao seu aniversário. Ao retornar para casa, a imperatriz depositou suas joias no lugar de sempre - deixou-as aos cuidados de seu criado Paiva, nos seus aposentos privados no Paço Imperial de São Cristóvão. Todavia, logo no dia seguinte, notou-se o desaparecimento das mesmas, o que causou imensa balbúrdia na mordomia. A primeira notícia pública apareceu apenas 5 dias depois, na ”Gazeta de Notícias”, com o aberrante título em caixa alta: ROUBO NO PAÇO DE S. CRISTOVÃO!
Dada à balbúrdia, o criado entrevistado alegou a seu favor que, por não ter a chave do cofre forte do Paço, guardou a caixa com as joias dentro de um armário, em uma sala nos aposentos do imperador, enquanto Suas Majestades seguiam para Petrópolis. A polícia, notificada pelo próprio imperador, através do ministro da Justiça, emitiu o seguinte parecer: “Pendurada de um muro foi encontrada uma corda, como para indicar que por ali se dera a fuga do gatuno. Verificou-se, porém, que para tal não servira, pois era nova, não estava esticada, nem a hera que reveste o muro apresentava o menor vestígio de que por ela passasse alguém”. Era a famosa pista falsa, tomando o caso um ritmo do suspense policial, e quanto mais o tempo passava mais o roubo das joias virava galhofa pública e a monarquia se desmoralizava.
Dizia-se que a realeza perdera o controle até mesmo de seus bens mais valiosos, que o Paço virara uma bagunça, e que os regentes estavam longe de se adequarem às suas funções oficiais. As joias foram encontradas no quintal da casa do Paiva, em duas latas de bolachas que foram enterradas na lama. E mais comentários maldosos circularam, com os jornais dizendo que era a própria monarquia que se encontrava na lama. A indignação e a vergonha generalizadas só foram atiçadas com os desdobramentos: D. Pedro II não só evitou que o Paiva e seus comparsas fossem processados e presos, mas os premiou com privilégios. Ao final, ficou comprovado que o Paiva atuava nos bastidores da realeza como alcoviteiro de D. Pedro II. A monarquia entrava numa degradação que levou à sua queda sete anos depois. Os impérios e governos não caem apenas por grandes desmandos, mas principalmente pela soma e acúmulo de desvios e ilegalidades, como mostra a história. Embora as tentativas de abafar aquele caso fossem ao limite do impossível, a imprensa cumpriu seu papel, atentamente foi crítica implacável com aquilo que se tornaria uma chaga nacional: os limites entre as esferas pública e privada, com os interesses privados tentando abarcar o patrimônio público. Os paralelos com o caso das joias doadas pela Arábia Saudita ao governo brasileiro anterior, a exemplo do que ocorreu em 1882, demorou a aparecer. Conforme diz a Legislação e o bom senso, qualquer objeto ganho em missão no Brasil ou no exterior, pertence à União. É o que entende o do Tribunal de Contas da União. A maior e mais valiosa joia que a Republica requer é que as leis sejam respeitadas por todos, indistintamente. Não importa que não se conheça a lei, ela precisa ser respeitada. É necessário que o patrimônio público seja preservado.