Opinião
Muito cuidado com a inadimplência em 2023 .
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No próximo ano, as aprovações de limites de crédito tendem a ser mais conservadoras do que nos dois últimos anos. Dados do Serasa Experian mostram que o Brasil bateu um triste recorde em 2022: o da inadimplência. Em termos absolutos, são 69 milhões de brasileiros que estão inadimplentes, 42% da população. E no caso de empresas, outro recorde histórico, com 6,3 milhões de inadimplentes, sendo que mais de 90% são micro e pequenas empresas.
Durante a pandemia, de forma geral, boa parte das empresas não fizeram questão de cobrar, pois acreditavam que não era o momento adequado para isso. Com toda a liquidez de mercado que tivemos e a injeção de recursos para conter a crise econômica, não só no Brasil, mas também no mundo, aumentou a oferta de crédito para pessoas e empresas. Com as adversidades do momento, muita gente deixou de pagar, precisando renegociar dívidas e até mesmo alongá-las. Não à toa, o nível de endividamento das famílias está altíssimo nesse momento, cerca de 30,4% conforme apurou a CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo). Além disso, outro aspecto apontado pelos dados da Boa Vista é que no trimestre encerrado em novembro de 2022, a alta registrada foi de 4,1%, contra o trimestre anterior. A situação tem dois lados bem claros: as famílias carecem de educação financeira para lidar com crédito, e o sistema financeiro, por vezes, injeta dinheiro e oferta liquidez além da conta, numa política agressiva de concessão de crédito. Um exemplo atual e clássico desse movimento é o empréstimo consignado do Auxílio Brasil, que vai voltar a se chamar Bolsa Família. O Governo garante o benefício para pessoas que não têm o básico para a subsistência. O mercado, por sua vez, oferece empréstimo consignado. Essa atitude acrescenta ainda mais juros ao orçamento das famílias mais pobres, gerando um ciclo de dívidas impagável. Alguns bancos já provisionaram em seus balanços esse salto na inadimplência, enquanto outros estão agora aumentando o provisionamento. Na prática, chegou a hora de pagar a conta da renegociação que as instituições fizeram com seus clientes no ápice da pandemia. Com isso, a inadimplência começa a subir e a tendência é claramente de piora do cenário.
Já vemos essa alta entre os pagamentos de faturas de cartões de crédito de pessoas físicas e também no endividamento de micro e pequenas empresas. As grandes empresas estão com suas estruturas de capital mais bem resolvidas, pois alongaram o passivo, cortaram custos e estão em uma situação mais confortável. O mesmo, porém, não acontece com as micro e pequenas empresas, em que as dificuldades são muitas, inclusive a de não misturar seu fluxo de caixa com o dos sócios.
Para aumentar a pressão, não podemos esquecer da evolução da Taxa Selic, que passou de 2,0% em janeiro de 2021 para os 13,75% atuais. Essa alta traz um impacto gigantesco não só para as empresas, como também para o orçamento doméstico. Por enquanto, não é possível enxergar um cenário de queda da taxa Selic no curto prazo. O mercado enxerga que as medidas anunciadas pelo governo eleito de estender o Bolsa Família obrigam a uma negociação das regras para o teto de gastos. Veja, por exemplo, as grandes empresas de varejo no Brasil: se elas não adotaram uma postura mais conservadora em suas carteiras de crédito, poderão ver a inadimplência subir bastante já nos primeiros meses de 2023 e, com isso, apresentarão piores resultados em seus balanços. Em suma, todos querem vender mais, porém o cenário de curto e médio prazo mostra-se desafiador em um ambiente competitivo e agressivo, inclusive com a entrada no jogo de grandes empresas internacionais altamente capitalizadas. Para poder concorrer de igual para igual, a oferta de crédito é uma alternativa para atrair clientes, mas isso pode resultar em aumento de provisões e se reverter em mais um problema com o aumento da inadimplência. Assim, é importante que todos os setores que movimentam a economia, passando pelas famílias e seus orçamentos domésticos, empresas, bancos, poder público, entre outros agentes, estejam atentos à aceleração do aumento da inadimplência em 2023 e adotem uma postura mais conservadora, considerando o cenário macroeconômico ainda repleto de incertezas.