Opinião
Resist�ncia admir�vel

MARCOS DAVI MELO * O grupo de gregos e gregas estava tão bem fantasiado em Olinda que o repórter de televisão da Globo que fazia a transmissão ao vivo não resistiu e o abordou: Que grupo bonito! Quem são vocês e de onde são?; Somos de Maceió!. Ah então como lá não tem carnaval, vocês estão aqui para brincar?, Não senhor, nós já brincamos muito em Maceió no Pinto da Madrugada, nós estamos aqui só pra passear!. O clima de Olinda durante o reinado de Momo permite essas brincadeiras, acolhe episódios singulares como o vivido pelo Bloco da Saudade no carnaval de 1996 relatado pelo historiador Leonardo Dantas da Silva no Diário de Pernambuco de domingo passado: tendo como tema daquele ano o pastoril, os integrantes e perseguidores do bloco, ao final do extenuante desfile pelas apinhadas ladeiras, cantavam jornadas como se fora um grupo de pastoras na busca do presépio, com um andamento melódico parecido com as marchas carnavalescas. Naquele final de terça-feira de carnaval, extenuados e premidos pelas multidões, procuraram abrigo no pátio do Mosteiro de São Bento, recanto onde antigamente encerravam as suas apresentações. Repentinamente, um monge beneditino idoso e muito alvo, com um forte sotaque francês e um largo sorriso abriu as portas do mosteiro, os convidou para entrar e ocupar a nave principal. Era o beneditino belga Dom Felix Bruneau, na época com 86 anos de idade. Respeitosamente, silenciosa a orquestra e chapéus na mão, os foliões ingressaram no templo, logo envolvidos pelo clima de fé e respeito, começaram a ouvir a palavra daquele homem de Deus que falando baixo e pausadamente, exaltou a alegria e a pureza de sentimentos daqueles que nos últimos momentos de mais um carnaval integravam o Bloco da Saudade. Seguiram-se as orações do Pai Nosso e Ave Maria, o cântico da Oração de São Francisco, acompanhado por flautas e violinos do bloco, encerradas com a bênção litúrgica e as palavras, ide em paz e que o Senhor vos acompanhe. Emocionados e em lágrimas os foliões despediram-se beijando a mão do santo homem. Pela primeira vez as portas de um templo secular foram abertas em pleno carnaval e ali se abençoou aquele grupo de foliões cujo único desejo era extravasar, simplesmente e sem excessos a alegria que os invadia naquela época. A singela cerimônia foi repetida nos anos de 1997 e 1998, sendo interrompida a partir de 1999 por ordem do arcebispo Dom José Cardozo que desde então proibiu a abertura de qualquer templo católico para receber blocos carnavalescos. O Bloco da Saudade continua a cada dia mais belo e cultuado pela multidão. Este ano teve como tema o Reisado de Alagoas e entre maracatus, caboclinhos e outros blocos, mais uma vez encantou aos que apreciam a resistência da mais autêntica cultura nordestina. (*) É MÉDICO