Opinião
EU – O CELULAR, HEROI OU VILÃO? .
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Sou jovem, nasci em 1973. Fui criado por um engenheiro louco chamado Martin Looper e, desde então, tenho estado em evidência, sendo objeto de cobiça e discussão, adorado por uns e odiado por outros.
No meu nascimento, na euforia da descoberta, eu só recebi elogios. Com o passar do tempo, fui me tornando acessível a todas as pessoas, camadas e bolsos e hoje, sou figura de uso obrigatório, indiscutivelmente indispensável. Tornei-me alvo das atenções, e, consequentemente, das discussões. Consciente de que ninguém é capaz de agradar a todos, sigo minha trajetória, atento às mudanças pois, nada nessa vida é estático, e, como não poderia ser diferente, sigo em constante mutação, agregando atributos, valores e administrando as consequências. Não sou prepotente, ao ponto de querer fazer juízo de valor com relação à minha trajetória bem como à importância na vida pessoal de cada um de vocês. Entretanto, não seria demais, pedir uma trégua, um momento de reflexão e ponderação entre as minhas vantagens e os prejuízos que possa vir a causar. Essa popularidade cresce assustadoramente no Brasil. Antes da pandemia, minha utilização diária estava no patamar de 3,8 horas/dia. Hoje está em 5,4 horas/dia, atingindo o primeiro lugar no ranking mundial, seguido da Coreia do Sul, com 5h/dia, Japão, com 4,6h/dia e Estados Unidos, com 4,2h/dia. O que poderia justificar esse crescimento, esse destaque mundial? Sabemos que o Brasil é um país ansioso em consequência de diversos fatores como a desigualdade social, insegurança econômica, violência, falta de trabalho digno para todos além das questões políticas. Mas, seria essa razão suficiente para justificar essa demanda ou existe algo mais a ser ponderado?
É gritante, evidente a minha presença, independentemente de cor, sexo, raça ou condição social, na vida das pessoas. Pode lhes faltar tudo, o básico, o alimento mas, saibam que eu estou e estarei sempre presente e isso me dá a certeza de que algum valor agregado eu devo ter para conseguir promover essa verdadeira revolução nos hábitos, costumes, no modo de vida das pessoas. Através de mim, vocês têm o mundo em suas mãos. O acesso ilimitado ao conhecimento, à cultura e ao divertimento. E, meu maior feito, o que me dá orgulho e justifica toda essa importância a mim atribuída é tornar possível, trazer para perto de cada um de vocês, aqueles entes queridos, parentes e amigos que fazem parte de suas vidas e que já não têm tempo disponível para você, pra lhe ver, visitar, chegar junto, fazer um carinho e dizer do seu amor. Se fosse apenas essa a minha função, já seria o suficiente para justificar a importância e a necessidade, cada vez maior e mais frequente da minha presença na vida de vocês.
Entretanto, alerto para que fiquem atentos e não permitam que a minha utilização de forma desregrada, desordenada, dissociada de limites e objetivos, afaste de vocês, aqueles que ainda estão perto, do seu lado. Para esses, eu não sou o meio mais apropriado para se comunicar. Deixem-me um pouco de lado e voltem a exercitar os princípios básicos da comunicação entre as pessoas, olhar, tocar, falar e ouvir. A ausência de regras, limites e disciplinamento na minha utilização é o fator gerador do afastamento entre as pessoas. A falta de comunicação pessoal, direta, olho no olho traz consequências negativas, provocando o isolamento, o fim dos relacionamentos. Essa consequência não pode ser a mim atribuída. Sou sim, herói, não vilão e, como tal, devo ser aplaudido e minha utilização, de forma racional e disciplinada, cada vez mais disseminada e incentivada.