LUIZ GONZAGA NÃO VISITOU CHICAGO

No início do mês de outubro de 2023, a mídia anunciou, em importantes jornais mundialmente conhecidos, um episódio trágico, que bem poderia ser revelado puramente como um infortúnio da natureza ou, extrapolando as raias daqueles que sobre a natureza pouco ou nada entendem, um desastre ambiental: quase mil passarinhos morreram ao colidirem com edifício retroiluminado em Chicago (Estados Unidos da América).

Luiz Gonzaga era amante dos pássaros, destacando-se, entre suas preferências - e por razões sugestivamente inquestionáveis -, as aves do sertão nordestino. Ao lado de Zé Dantas e Humberto Teixeira, Gonzagão compôs lindas canções, cujas letras e musicalidade traduzem o sentimento do Rei do Baião: “Sabiá”, “Fogo Pagou”, “Asa Branca”, “A Volta da Asa Branca” (...) “ASSUM PRETO”.

Vidros, prédios, espelhos, mirantes de vidros espelhados (...) – o conjunto de um emaranhado de artificiais “belezas”, cuja razão (contemporânea) simplesmente contempla, mas que à naturalidade tampouco serve de graça. A vidraçaria é mecânica, irrefletida e maquinal.

Embates, conflagrações e trombadas contra as janelas torpedeiam a sucessão dos dias norte-americanos. O reflexo espelhado reverbera o (exclusivo) gosto de quem impõe um só tipo de beleza, na simulada audácia de que a especiosidade criada, construída (sobre espelhos) é mais venusta e deslumbrante, malgrado impossibilitar o livre voo dos pássaros.

Os pássaros, atraiçoados por arbustos ou plantas através das janelas, voam em impactos que lhes causam a morte. Mesmo para aqueles que à noite adejam, dependentes da luz das estrelas para voar, o carregado luminoso (sem esperança) dos edifícios confunde-nos, tudo em disfarçada tapeação.

Gonzaga tinha dó do Assum Preto - “(...), Mas Assum Preto, cego dos ‘zóio’, não vendo a luz, ai, canta de dor”; “teve pena da rolinha que o menino matou”. Porém, Velho Lua limitou-se a resenhar seus contemporâneos costumes sertanejos, em que passarinhos não morriam – ou sofriam mutilações – instintivamente.

Se, no Sertão, o coração de Gonzagão sentia dor, Chicago lhe causaria confusa comoção – sabe-se lá se um bom tabaréu de Exu compreenderia que um passarinho seria capaz de revoar para trajeto autodestrutivo!

Por sorte, Luiz Gonzaga não visitou Chicago