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Nº 5759
Opinião

Canais e lagoas .

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Por Marcos Davi Melo - médico e membro da AAL e do IHGAL | Edição do dia 16/12/2023 - Matéria atualizada em 16/12/2023 às 04h00

Otávio Brandão era natural de Viçosa, um farmacêutico com preocupações ambientais que o levaram a investigar o complexo lagunar Maundaú-Manguaba por conta própria, enfrentando a lama e a água em tosca embarcação, o que depois de meses resultou na obra “Canais e Lagoas”, lançada nos idos de 1916-1917 e que apresenta a região antes da intervenção humana, onde a exuberância da mata atlântica e seus recursos hídricos e minerais ainda estavam integralmente preservados.

Brandão adoeceu e quase morreu nessa aventura, da qual surgiu essa obra clássica, onde, segundo os críticos, existia o que Rabelais afirmou - “Ciência sem consciência não passa de ruína da alma” -, mas também o que Valéry escreveu - “... em poesia, trata-se, antes de mais nada, de fazer música com a própria dor”. O pioneiro da defesa do meio ambiente escreveu lá: “O estudo da natureza é o ponto de partida para o descobrimento das riquezas do país, para o seu desenvolvimento. O homem não deve ser passivo diante da Natureza. Deve aspirar integrar-se a ela. Deve atuar sobre a Natureza de um modo positivo e consciente”. Ele acreditava que existiam riquezas minerais ali, principalmente petróleo. O tempo viria a mostrar que existia o sal-gema em suas cavernas, cuja exploração descontrolada trouxe-nos esse pesadelo atual.

O complexo lagunar Mundaú-Manguaba, patrimônio imaterial do Estado, está presente na prateleira superior dos nossos afetos. Ele nos encanta e a todos os visitantes de outras plagas, como foi o caso do editor da Folha de São Paulo, David Lucena, que em artigo recente registra a sua importância na economia, mas realça os sortilégios derivados de seus frutos, como o sururu, sem esquecer o sururu de capote, tão lembrado pelo imortal da Academia Brasileira de Letras Ledo Ivo quando aqui vinha, seus peixes e o siri-de-coral. Lucena cita o encanto do pôr do sol na lagoa, observado dos bares de suas margens, mas alerta que esse delicado equilíbrio pode ser rompido pelo excesso de salinização das suas águas.

Segundo alguns técnicos locais, os problemas estariam resolvidos com o desmoronamento da mina 18, mas outros técnicos temem que o contato prolongado de suas águas com o sal-gema in natura possa levar a salinização excessiva e ameaçar o delicado equilíbrio do ecossistema. A dúvida e o debate em ciência são salutares, desde que visem unicamente a verdade. Millôr Fernandes escreveu: “Se você não tem dúvida é porque está mal informado”. Um conhecimento que fosse pura certeza ficaria estagnado e teríamos um nível de redundância muito forte.

Procurar causas para efeitos é sinal de inteligência. Esse é um farto atributo do Zé Geraldo Marques, imortal da Academia Alagoana de Letras, legítimo herdeiro de Otávio Brandão como cientista e, melhor ainda, como poeta dos mais exuberantes. Zé Geraldo é um ativista do meio ambiente e da cultura que não se rendeu nem mesmo a uma enfermidade insidiosa que o vem fustigando. Com homens como ele, as esperanças de que as causas humanitárias sejam pautadas nas desafiadoras agendas são preservadas. Como afirmava Ariano Suassuna: “O otimista é um tolo. O pessimista, um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso”.

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