Opinião
Lembran�as de Cuiab�

Lysette Lyra * Dos meus doze para treze anos, vivi em Cuiabá, capital do Estado de Mato Grosso, nessa época um só. Para chegar lá, era uma verdadeira aventura: saía-se de São Paulo, em trem para Bauru, onde se apanhava a ferrovia que cortava as matas densas do centro do País, até Porto Esperança, pequena localidade, muito atrasada. Sua importância se devia por ser o local de escoamento das mercadorias e passageiros, em trânsito, para as cidades da região. Daí em diante o transporte eram os navios gaiolas, rústicos, meio desconfortáveis, porém pitorescos. Navegavam pelos rios Paraguai e Cuiabá, infestados de piranhas famintas e de jacarés ameaçadores. A parte percorrida de trem era feita em dez dias, em vagões-leito, sem banheiros, somente com pia e sanitário. Tínhamos que nos lavar precariamente, nas torneiras. Na minha pouca idade, e com o espírito meio aventureiro que sempre me dominou, era uma curiosidade que me divertia. As paisagens passavam, céleres, diante de meus olhos atentos, ficando gravadas para sempre na minha memória. O que mais incomodava eram os mosquitos. Não havia repelente que os espantasse.Uma das partes mais interessantes é quando o Rio Cuiabá se une ao Paraguai, atravessando um estreito entre as florestas. A floresta densa ficava tão próxima, que os ramos raspavam o transporte. Ouvíamos o canto dos pássaros, o grito, estridente das arapongas, o tropel dos animais em fuga e sentíamos aquele inesquecível perfume de mato esmagado. Algumas fazendas de gado bovino interrompiam a magnificência da floresta, onde se viam grandes mantas de charque, ao sol, a secar. Atravessamos o Rio das Mortes, paraíso dos garimpeiros, que de bateias na mão procuravam ouro e pedras preciosas nos cascalhos do fundo do rio. Finalmente chegamos a Cuiabá. Cidade pequena, mas hospitaleira, de clima instável, onde as tempestades apavoram pela violência e, a temperatura, quase sempre muito quente, pode nos surpreender com uma baixa, repentina, que chega a zero grau. Nunca mais voltei a Cuiabá, agora servida por vôos diários, naturalmente mais desenvolvida, sobretudo porque muitas de suas matas foram substituídas por importantes fazendas e plantações de soja. Já não a reconheceria sob seu aspecto progressista. Seus belos pantanais, hoje preservados, tornaram-se uma grande atração turística, e a vizinhança da capital federal, naturalmente lhe deve ser motivo de desenvolvimento. Mas a lembrança daquela viagem feita na adolescência, quando o mundo começava a se revelar para mim, ficará para sempre gravada na minha memória. (*) É membro do Grupo Literário Alagoano.