Opinião
O humano e o natural

| JENNER BASTOS * À primeira vista a oposição diametral entre o natural e o humano suscitaria uma crítica de origem. Poder-se-ia argumentar que sendo a natureza o conjunto de tudo o que existe (compreendendo os seres vivos e não vivos), então o humano já estaria nela incluído. No entanto, uma linha demarcatória do gênero não teria qualquer interesse na medida em que soaria simplesmente como algo oscilando entre o trivial e o teoricamente falso. O humano é capaz de inventar ficções que contradizem as próprias leis da natureza. O humano cria poesia cujos versos podem contestar as leis da física, da biologia e da ecologia sem que com isso percam beleza e significância. Logo, há uma dimensão profunda e intangível na qual o humano não se apresenta simplesmente como redutível ao natural. Deste modo, podemos dizer que uma linha demarcatória entre o humano e o natural pode ser esboçada. Vejamos agora uma posição enfaticamente antropocêntrica, e, portanto, dando primazia ao ser humano. Popper argumentou que há dois grandes métodos cognitivos. O primeiro é o das tentativas e erros, método esse adotado por toda a diversidade biológica, no espectro que vai da ameba a Einstein. O segundo método é o das conjecturas e refutações, o método científico, que segundo ele é o praticado por apenas uma única e singularíssima espécie que é a espécie humana, ou seja, a única espécie capaz de praticar a discussão crítica. Há quem critique Popper, como as feministas, por ter colocado no topo da escala cognitiva um indivíduo do sexo masculino, no que acho que elas têm razão, pois o gênero feminino exibe exemplos tão admiráveis quanto o de Einstein. Mas a nossa questão é outra. Há uma tendência diametralmente oposta à de Popper que inverte radicalmente a escala de nobreza e, talvez mesmo, a própria escala cognitiva no sentido lato do termo. É a de Lynn Margulis. Ela argumenta que as bactérias são mais adaptadas que nós e muito mais versáteis, do ponto de vista das possibilidades bioquímicas, que quaisquer outros seres vivos. As bactérias já existem há 4 bilhões de anos enquanto os primeiros hominídeos há apenas alguns poucos míseros milhões. Seria apenas a nossa arrogância que nos faz homo sapiens sapiens. Na verdade, algumas correntes ainda mais extremadas consideram a nossa espécie como uma praga que pode acabar com toda a diversidade biológica. Julgamos que tudo isso deve ser visto como uma tensão essencial entre o humano e o natural e que nenhuma das duas tendências extremas tem minimamente condições de esgotar essa imensa complexidade. (*) É doutor em Física pela ETH-Zürich e professor da Ufal.