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Nº 5759
Opinião

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MARCOS DAVI MELO * A convocação da Seleção Brasileira de futebol esta semana, em plena segunda-feira, às 14 horas, transmitida ao vivo pela televisão, foi vista pela população de forma e em locais variados. Os vis mortais (entre os  quais nos incluímos)

Por | Edição do dia 10/05/2002 - Matéria atualizada em 10/05/2002 às 00h00

MARCOS DAVI MELO * A convocação da Seleção Brasileira de futebol esta semana, em plena segunda-feira, às 14 horas, transmitida ao vivo pela televisão, foi vista pela população de forma e em locais variados. Os vis mortais (entre os  quais nos incluímos) estavam trabalhando e perderam este reality show, que só acontece de quatro em quatro  anos. Um brasileiro em especial – segundo informou a mídia -, estava em frente à televisão, segurando na mão da mãe, para ver o veredicto final que lhe traria uma improvável possibilidade de sobrevivência entre os eleitos: era Romário. Antes de qualquer coisa, devo confessar para os meus três leitores fiéis: sou duplamente culpado; fã do baixinho e vascaíno. Mas aceito a postulação do Felipão, quer um grupo bem comportado – o que não tem sido a nossa tradição, quando ganhamos as copas -, e sobre o qual tenha inteiro domínio. Além de tudo, reconheçamos, ele já viveu melhores dias no futebol. Mas, agora, na hora do aperto, da frustração, procurou algum consolo na presença da mãe, o que para mim lhe dá o contorno dramático peculiar a todos os seres humanos normais, nos momentos de aflição maiores pelos quais tenham que passar. Mostram não só alguns filmes de guerra de Hollywood, como os relatos de historiadores respeitáveis, que os mais ferozes e intrépidos combatentes, quando feridos mortalmente, e sentindo inexoravelmente traçado o seu destino, as suas últimas palavras sempre foram clamando pela presença da mãe, como as criancinhas mais impúberes ao sentirem qualquer necessidade básica imediata, como sede ou fome, ou a roupa molhada por urina. Dizem algumas vertentes da psicanálise que uma das maiores e mais recônditas frustrações do sexo masculino é não poder gestar um filho. Não sei. Não me acharia capacitado para tamanho e tão nobre empreendimento e faltar-me-ia o conhecimento psiquiátrico mínimo para debater assuntos de tal monta. O que não me tiraria da memória algumas das mais singelas e agradáveis recordações pessoais que conservo com carinho desde sempre. Como estudava longe e só dava para vir em casa uma vez, nas férias de fim de ano; nestas ocasiões, minha mãe sempre aludia a um pequeno bem-te-vi que inevitavelmente abria o peito a cantar, perto de sua janela, tão logo amanhecia o dia da minha chegada para as férias. Depois, as batatinhas fritas que fazia; lâminas tão delgadas, crocantes e saborosas, nem em Paris encontrei igual. Como Romário, nas horas de angústia, mesmo depois de crescido e experimentado na vida, a procurava e embora não lhe levasse as razões das minhas aflições, os momentos nos quais permanecia a seu lado, na serenidade do silêncio, segurando a sua mão marcada pelo tempo, serviam-me como poderoso ansiolítico e restauravam-me a tranqüilidade mínima perdida. Tenho inevitavelmente mais uma razão para me identificar com o Romário. Algumas das fraquezas humanas mais elementares, embora, é óbvio, não as suas qualidades. Vejo com respeito distante, e não com inveja, estes indivíduos absolutamente fortes, autônomos e independentes desde o berço, que nunca necessitaram do amparo materno e que nunca sentiram saudades de nada. Metálicos e inexpugnáveis em suas couraças ou apenas meros fingidores? Não o saberemos nunca nós os que guardam – mesmo nesta vida dura, na qual o indivíduo precisa a cada dia mais e mais se fechar às sensações que o possam se tornar mais humano -, entre os seus melhores e mais cultivados tesouros, aqueles pequenos e inesquecíveis momentos de pura ternura, entrega e enlevamento que só a mãe pode dar. (*) É MÉDICO

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