Opinião
Vocabul�rio m�dico popular

| José Medeiros * Conta-se que um médico recém-formado, lá das bandas das planícies goianas, abriu consultório e o primeiro cliente foi um homem do campo, que se queixava de uma inflamação no pé: - Doutor, é um cravo no solado do pé e me dói muito. O médico, iniciante nas lidas da medicina, examinou o cliente e comunicou o diagnóstico: o senhor está acometido de um comedão, ou co-me-dom, uma hiperqueratose que se desenvolve na região plantar do pé. O trabalhador rural ficou assombrado: - Como é, doutor? O senhor está dizendo que eu como demais? Está querendo me ofender? Levantou-se: - O senhor não sabe nada de medicina. Eu tenho um cravo no solado do pé. Só o senhor não descobriu isso. Saber comunicar-se com o paciente é necessário, é uma constante aprendizagem de saber ouvir, compreender e interpretar reclamações. Em medicina, como em outras profissões, lidar com gente exige do profissional simplicidade na comunicação. Os estágios na zona rural são treinamentos para essas vivências e interações médico-paciente. Lembrei-me da historieta que relatei no início desta crônica a propósito do livro Vocabulário Médico Popular, do médico dermatologista Dídimo Otto Kummer, falecido recentemente. Duas semanas antes de sua prematura partida para a eternidade, ele me telefonou e me pediu para prefaciar um dicionário de sua autoria, que registra palavras e expressões da linguagem popular, de como as pessoas se referem a doenças, moléstias e enfermidades. Cita o poeta Manoel Bandeira: ...a vida de meus versos não me chegava pelos jornais, nem pelos livros, vinha da boca do povo, do saber do povo. Busco no trabalho do doutor Dídimo a palavra cravo, que resultou na polêmica entre o médico e o cliente. Explica em seu Vocabulário Médico Popular, entre outros significados: Cravo, afecção do folículo sebáceo, comedão, conhecido como calo doloroso e aprofundado na derme da região plantar. Trinta anos de medicina fizeram do doutor Dídimo um conhecedor da linguagem usada pela população dos hospitais públicos. Autor de obras literárias de repercussão, foi, acima de tudo, um amigo e companheiro. Tinha participação ativa na Sociedade Brasileira de Médicos Escritores, Regional de Alagoas; sempre acompanhado da esposa Ediméia Kümmer, psicanalista, colaboradora em todas as pesquisas que realizava. É merecedor da admiração de todos, pela sua cultura, postura ética, simplicidade e desempenho humano da medicina. (*) É médico e ex-secretário de Saúde e de Educação.