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quarta-feira, 19/03/2025 | Ano | Nº 5926
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O bispo e a pizza

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| RONALD MENDONÇA * Finalmente surgiu algo de novo no repetitivo noticiário nacional. Chega de fraudadores, de políticos corruptos, administradores incompetentes e de CPIs capengas que só servem mesmo para um bando de chatos aparecerem como vestais do desgastado parlamento. Ninguém tolera mais escutar os coices gramaticais do presidente, sua ignorância abissal. Cansamos de saber sobre rodízios de secretários em Alagoas. Em Cabrobó, um bispo de sobrenome estrangeiro, Luiz Flávio Cappio, resolveu protestar contra a transposição do São Francisco fazendo greve de fome. Momentaneamente o ato ressoou e ganhou espaço até na mídia internacional. Não sei se é cruel dizer, mas nunca levei a sério greves de fome, mesmo porque nas poucas vezes em que ouvi falar em alguém fazendo isso no Brasil, esse fulano sempre escapou vivo, falando, bulindo e flanando. De qualquer forma, na contramão da vontade dos poderosos de Brasília e até da CNBB (favorável à transposição), o bispo foi corajoso ao tentar assumir esse papel de “Mártir da Transposição”. Jejuar é particularmente cruel nos primeiros dias, quando a “tentação da carne”, literalmente, é muito forte. Depois, o organismo começa a queimar as próprias gorduras como fonte de energia, formam-se os corpos cetônicos, que terminam por manter o cidadão enjoado de comida. Tais mecanismos explicariam a tolerância de Jesus aos 40 dias de jejum no deserto, sem precisar apelar para os conhecidos poderes divinos. João Batista cuja voz clamava no deserto, é outro exemplo bíblico de resistência a carências alimentares, como, aliás, mesmo sem constar na bíblia, o é boa parte do povão brasileiro. Com estampa de faquir, o grande Gandhi foi outro sobrevivente de greve de fome, tática que utilizou mais de uma vez para futucar, a indiferença inglesa. Sem querer tirar o mérito dos que, em nome de Deus, da Índia ou do São Francisco, jejuam para, através da punição do corpo, purificar e fortalecer o imundo espírito, o fato é que existem pessoas que biologicamente toleram melhor, a priori, as duras provas da abstinência alimentar. Voltando ao bispo. Apesar de se desconhecer a devida dimensão das conseqüências do desvio do rio (a lógica diz que se suas águas forem sangradas, o mínimo que se pode esperar é a anemia no seu leito normal), a verdade é que, talvez por conta da posição hierárquica do prelado, formou-se uma razoável corrente de empatia em torno do religioso. Com a desistência espera-se tudo, menos que esse barulho todo vá terminar em pizza. (*) É médico e professor da Ufal.

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