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Nº 5900
Opinião

A medicina de Kafka

| Marcos Davi Melo * Fui procurado por uma repórter de televisão para uma entrevista com uma questão premente: apenas 20% dos casos de câncer do colo do útero estariam sendo tratados em Alagoas, 80% dos casos ficariam sem tratamento. Imediatamente retruq

Por | Edição do dia 08/04/2006 - Matéria atualizada em 08/04/2006 às 00h00

| Marcos Davi Melo * Fui procurado por uma repórter de televisão para uma entrevista com uma questão premente: apenas 20% dos casos de câncer do colo do útero estariam sendo tratados em Alagoas, 80% dos casos ficariam sem tratamento. Imediatamente retruquei que isso não era verdadeiro. Como coordenador do Departamento de Oncologia da Santa Casa de Maceió, vejo todos os dias chegarem casos novos desse tipo de câncer e felizmente, nenhuma mulher deixa de ser tratada. Porém, refletindo mais, algo deveria estar ocorrendo para se levantar uma questão dessa na mídia local. Procurei averiguar melhor e existiam razões para as preocupações. A questão é a seguinte: muitas mulheres que fazem os seus exames de prevenção do câncer ginecológico tem como resultado um NICII ou NICIII, que são lesões pré-malignas, isto é: anormalidades das células do colo do útero que se transformarão em câncer invasor caso não sejam tratadas em tempo. O tratamento é simples e barato. O câncer ainda é um grande desafio para a ciência. Um NICIII, chamada carcinoma in situ, localizado no útero, evoluirá para câncer invasor e ameaçará a vida da mulher; esse mesmo tipo de lesão, se localizado na próstata, normalmente tem comportamento dolente, não se transformará em câncer invasor e o homem poderá conviver com ele sem maiores problemas e provavelmente morrerá de outra causa. Mas se o câncer tem muito a ser desvendado, e a biologia molecular acena com grandes avanços, é do conhecimento geral que as políticas oficiais para combater essa enfermidade no País são lastimáveis. Pois, embora os números mostrem que mais da metade dos casos só são diagnosticados em fase avançada, nada se faz de concreto para dar condições às instituições que estão qualificadas para melhorar essa situação trágica. Os burocratas fazem reuniões entre quatro paredes em Brasília, elaboram portarias, compram equipamentos, promovem superposições de ações, desperdiçam recursos e os hospitais, que têm resolutividade, know-how e podem resolver a situação por um custo baixo, como às entidades filantrópicas especializadas, não recebem nenhum apoio. Assim, um número grande de homens e mulheres, com tumores malignos hoje curáveis, espera meses por uma cirurgia e quando esta pode ser realizada, a chance de cura desapareceu. Daí, os tratamentos que esses pacientes farão serão caros e ineficientes. Kafka não imaginaria cenário pior. (*) É médico.

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