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Nº 5759
Opinião

Obrigado, Kiko

| Antonio Sapucaia * Quando ele chegou, quinze anos atrás, com a aparência de um bichinho de pelúcia, acomodado numa caixa de sapato, tive a impressão de estarmos recebendo um presente de pouca importância, mal embalado. Na noite de sua chegada, confesso

Por | Edição do dia 22/12/2006 - Matéria atualizada em 22/12/2006 às 00h00

| Antonio Sapucaia * Quando ele chegou, quinze anos atrás, com a aparência de um bichinho de pelúcia, acomodado numa caixa de sapato, tive a impressão de estarmos recebendo um presente de pouca importância, mal embalado. Na noite de sua chegada, confesso que fiquei aborrecido e cheguei a recriminar a Marly pela insensatez de tê-lo adotado. Os seus gemidos, durante a noite toda, causaram-me irritação e desconforto. Tempos depois, já espevitado e se sentindo à vontade para percorrer todos os cômodos da casa, começou a fazer algumas estripulias que nos davam prejuízo e ao mesmo tempo proporcionavam alegria. Os pés roídos das cadeiras; o surrupio das meias enfiadas nos sapatos para sair correndo em forma de brincadeira; fazer xixi onde não devia; subir nas camas sem autorização, tudo parecia se transformar em prazer. O mais cativante viria sem demora: passou a ser um verdadeiro “filho”; passou a integrar a família; passou a ser um companheiro em que confiávamos cegamente, e o que mais lamentávamos é que não soubesse falar. Na sua irracionalidade, ele nunca soube e nem mesmo a Marly chegou a perceber, mas houve ocasiões em que tentei adiar ou cancelar alguma viagem apenas para não me afastar dele. Tivemo-lo sempre como um companheiro fiel, um amigo verdadeiro, um “filho” que, sem ser registrado, por óbvio, quando alguém me perguntava qual era o seu nome, eu respondia de pronto: Kiko da Silva. Ainda hoje fico a rir, quando lembro daquela tarde em que, após uma caminhada, fiquei na calçada da casa, acariciando-o e perguntando-lhe se ele gostava do “pai”, na certeza de não obter resposta. Um pivete de aproximadamente três anos indagava por que eu era pai dele, naturalmente por se tratar de um cachorro. Respondi-lhe que eu era “pai” dele porque ele era meu “filho” – foi a resposta mais simples que encontrei. Fixando os olhos em nós dois, o garoto completou: “É... tu palece com ele”. Foi a primeira vez que alguém me achou parecido com um cachorro, o que não me deixou nada triste. Triste, sim, estou neste momento, quando acabo de vê-lo morto, teso, sem poder olhar-me com os seus olhos vivos, cor de mel. As nossas tristezas com a sua morte; as lágrimas que estamos a derramar; o inconformismo diante da sua ausência, refletem a realidade do seu companheirismo, da sua fidelidade, das alegrias que ao longo do tempo nos ofertou. Irracional que foi, nunca poderia dimensionar a importância que tinha para nós e nem as saudades que nos deixou. Até o Arthur, na inocência dos seus quatro aninhos, está triste pela sua ausência. Obrigado, Kiko, por nos ter dado essa convivência de 15 anos. Obrigado por toda a alegria que nos concedeu durante esse tempo todo. Nesta época de tanta cachorrada entre seres humanos civilizados, como seria bom que os animais irracionais pudessem ser humanizados, principalmente os cachorros! (*) É desembargador do TJ.

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