Opinião
Princesa Maria Bode

LUIZ SÁVIO DE ALMEIDA * Qualquer pessoa que circule pelo sertão sabe de um entroncamento famoso conhecido como Maria Bode. Carié e Maria Bode parecem dois pontos mágicos no espaço sertanejo, como se polarizassem a malha viária que se instalou na região. Conheci a Maria Bode, quando passei para o sertão pelo ano de 1966, procurando chegar ao Juazeiro do Padre Cícero, na cola de um caminhão de romeiro que estava pesquisando. Hoje, Maria Bode dorme o sono dos mortos, pelas bandas de Arapiraca onde partiu desta para melhor. Desta viagem, ainda guardo duas velhas fotografias em preto e branco. Sempre ficou na cabeça o nome maravilhoso da Maria Bode e isso com certo encantamento. Faz pouco tempo fui até Pariconha, sofrendo com os buracos da estrada, cansando de frear carro. Valeu a pena; sou apaixonado pela paisagem do sertão, pelas serras que recortam os espaços, cabeça feita pelo meu pé-de-serra das músicas de Luiz Gonzaga, aprendidas nos começos de vida em Penedo. Fui passar uns tempos na casa da índia Dodora que mora no Tanque e, volta e meia, seguia para o Campinho - beira do fim de tarde - e sentar e prosear com os amigos na calçada de um bar/padaria ou qualquer coisa como as antigas bodegas do meu tempo de menino. E foi lá que fiz amizade com João Maceió e conversa vai, conversa vem, ele era sobrinho da Maria Bode. Foi uma descoberta, estava diante do que ficou conhecido como família Bode, em razão do velho Zé Bode, criador e marchante na região. Maria Bode era de perto do Campinho, de um sítio da redondeza e montou uma barraca perto de 1952, na área onde está o entroncamento. Ela ficava de um lado da estrada e uma tia ficava do outro. A família veio da Bahia, mas parece que a Maria nasceu alagoana. Pouco a pouco foi prosperando. Atendia a qualquer hora da noite. Alguém ia passando, estivesse dormindo ela acordava, preparava a janta e assim foi até marcar definitivamente o lugar com seu nome. Mulher disposta sobreviveu no trânsito dos cassacos da construção da estrada, enfrentando até mesmo gente com peixeira na mão. É interessante como a pessoa pode marcar um lugar com sua vida, de tal forma que nunca desaparece. Não falo dos altos nomes de família, pois as homenagens correm logo para perto. Conquistar e definir um lugar com o prosaico nome de Maria Bode, isto sim é que se trata de proeza. E foi assim que de gente ela se tornou um entroncamento; figurativamente, o mundo inteiro ao decidir viagens por aquela banda, rende homenagem à sua comida e à fama de sua coragem. Não é pouco; é preciso ser extraordinária. Isso comove e leva-me até a uma proposta. Seria incrível se alguém decidisse construir um monumento, bem no meio do entroncamento, louvando Maria. Seria o Memorial da Maria Bode. Seria imensamente bom, juntar-se a nobreza do Memorial ao nome Bode. Se no Império a gente teve Barão de nomes mais estranhos, qual a razão de na República não se ter o Memorial da Princesa Maria Bode. (*) É PROFESSOR DA UFAL E DOUTOR EM HISTÓRIA