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Nº 5790
Opinião

A s�ndrome do Al�cio

| Ronald Mendonça * Um hospital em Maceió foi depredado pela ira de um militar descontrolado. Com arma nos quartos, diante de pacíficos profissionais sem disposição para confronto físico, é fácil cantar de galo. Na melhor das hipóteses, as agressões term

Por | Edição do dia 08/09/2007 - Matéria atualizada em 08/09/2007 às 00h00

| Ronald Mendonça * Um hospital em Maceió foi depredado pela ira de um militar descontrolado. Com arma nos quartos, diante de pacíficos profissionais sem disposição para confronto físico, é fácil cantar de galo. Na melhor das hipóteses, as agressões terminam sendo um desperdício de energia. A idéia seria canalizar esses arroubos para livrar e proteger a sociedade de bandidos. Lembrei-me de episódio ocorrido no final da década de 50 do século passado. Meninos batiam um “picadinho” na antiga Praça dos Martírios, enquanto aguardavam o ônibus. Alunos do velho Diocesano, tudo eram flores, até pelo fato da quase estréia da ambicionada couraça número 3, objeto de desejo dos garotos de então. De repente, a bola escapa indo parar nas mãos de um sujeito com cara de mau, fardado de guarda civil que, sorrateiro, espreitava o bate-bola, aguardando a melhor chance para a apreensão. Com a agilidade de um gato larápio, o policial sumiu com a bola no prédio da sua corporação, a poucos metros da praça. Iniciava-se ali inesquecível e penosa demanda para readquirir o brinquedo. Particularmente dois meninos (os irmãos donos da bola) não conseguiram tirar da memória aqueles momentos de humilhação e angústia. Inflexível, exibindo riso sádico, o policial parecia gozar ao repetir que a bola “já era”, tinha sido rasgada. Além da lastimável perda, ao voltar para casa de mãos vazias, como encarar os rigores paternos? O tempo passou. Os dois garotos tornaram-se médicos. A figura do guarda-civil durão e terrorista nunca foi esquecida. Fortão e arrogante, transformado em policial civil, o mulato Alício (o sobrenome da fera), era o terror das cadeias. Conhecido como agente da repressão, na ditadura militar era visto nas concentrações estudantis portando ostensivo “tresoitão”, transpirando valentia num ambiente de inermes. Paralelamente, o velho Hospital de Pronto Socorro cumpria seu papel. Um dia, a neurocirurgia foi convocada para atender um policial atingido na cabeça num confronto com bandidos. Gemente, pálido e trêmulo, com pequeno arranhão na testa que mal sangrava, Alício era a imagem do pavor. Para completar a cena patética, o valente policial exalava desagradável e sui generis odor vindo de material orgânico eliminado involuntariamente que teimava em escorrer perna abaixo. Resumo da ópera: borrado de medo, Alício nunca foi baleado. Seu arranhão tinha sido produzido por um cascalho. Os irmãos estavam definitivamente vingados. (*) É médico e professor da Ufal.

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