Mergulhando no tempo
| Anilda Leão * Estou agora posta num tempo que se chama outono ou será o inverno? Mas que tempo é esse que me faz sentir a primavera em torno de mim, o mesmo sorrir, o mesmo cantar, o mesmo gosto pela dança? O mesmo gosto de gostar mais dos outros d
Por | Edição do dia 29/11/2007 - Matéria atualizada em 29/11/2007 às 00h00
| Anilda Leão * Estou agora posta num tempo que se chama outono ou será o inverno? Mas que tempo é esse que me faz sentir a primavera em torno de mim, o mesmo sorrir, o mesmo cantar, o mesmo gosto pela dança? O mesmo gosto de gostar mais dos outros do que de mim mesma? Que bom! Será que pela meninice chorada, incompreendida, estou sendo compensada agora? Que bom que a primavera continua em mim, apesar da minha face não ser mais aquela que está ali, pregada na fotografia dos meus dezoito anos. E me pergunto, como Cecília Meireles, em que espelho deixei a minha face? Mergulhando no tempo, procuro recolher pedaços de mim, largados em andanças meninas e marotas. Estradas perdidas nas bifurcações de tantas jornadas, às vezes insólitas, corajosas e até constituídas de algum heroísmo ingênuo. Ternura emergindo de olhos tantas vezes magoados, mágoas essas jamais entendidas ou acudidas no devido tempo. Lábios marcados pelas emoções primeiras, corpo em alvoroço pelas carícias que fazem pulsar o sangue nas veias. Mulher despertando, mudanças no corpo e aí, sim, segredos revelados nas páginas dos livros escondidos em estantes mal trancadas , sorriso malandro que acha tudo muito melhor do que o contado nas páginas antigas e desatualizadas. Ah, o tempo passando, trazendo a lembrança daquela menina, daquela mocinha, daquela mulher. Diferentes momentos, mas o mesmo sabor do verde, do de vez e do maduro. Três fases bonitas, que lembram frutas brotando, ficando maduras e enfim despencando do alto das árvores num engraçado e ligeiro farfalhar de folhas. Ou a gente subindo pela galharia ensombrada das árvores, arrebatando o fruto na horinha exata de ser abocanhado, sem medo de despencar lá do alto. E se cair, a gente limpa a poeira, passa cuspe nos arranhões e sobe, fazendo tudo novamente; sabe lá o que é energia de gente nova? Mergulhar no tempo, como faço agora, é sentir que nada mudou, ou melhor, diferencinha quase nem sentida, muito sutilmente esboçada, um nadinha assim, assim. Passei pelas fases do tempo, do verde ao maduro, e ainda aquento o coração nas mesmas emoções de sempre. Pasme quem não puder me entender, ou então aprenda a sentir a vida e o amor assim como eu os sinto! (*) É escritora.