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Nº 5791
Opinião

De lapinhas e preceitos

| Ronald Mendonça * No artigo do sábado passado enganei-me numa informação citando indevidamente o procurador geral do Estado. Delicadamente, seu titular, doutor Mário Uchoa, alertou-me sobre o equívoco, que agora tento reparar. Lembrei-me de um distant

Por | Edição do dia 29/12/2007 - Matéria atualizada em 29/12/2007 às 00h00

| Ronald Mendonça * No artigo do sábado passado enganei-me numa informação citando indevidamente o procurador geral do Estado. Delicadamente, seu titular, doutor Mário Uchoa, alertou-me sobre o equívoco, que agora tento reparar. Lembrei-me de um distante dia do século passado, quando um garoto, numa ensolarada manhã de sábado, testemunhou um sujeito mal-encarado ameaçar espancar um outro “se falasse”. Era uma discussão de futebol, e o ameaçado, solitário no meio de feras, certamente com receio de ter sua cara amassada, permaneceu sentado e mudo. Logo soube-se que o valentão ocupava lugar na advocacia estadual. Na realidade, era um medíocre e desconhecido procurador capaz de tudo para mostrar autoridade num racha de futebol de salão. O tom agressivo de um lado, contrastando com a humilde da postura do outro – como num filme de Charles Chaplin –, nunca caíram no esquecimento. Na cabeça da criança germinaria a idéia de que procuradores eram tipos muito violentos sempre inclinados a quebrar a cara dos outros, desde que assim lhes dê na telha. Não é o caso do gentil Mário Jorge Uchoa. Naquele tempo, o menino gostava de ouvir as histórias e os conselhos de dona Olímpia, piedosa vizinha, que nesse período de Natal empenhava-se em decorar sua sala de visitas com caprichoso e eclético presépio. De fato, a fama da lapinha de dona Olímpia atraía visitantes além do bairro. Moradores de Bom Parto e Fernão Velho organizavam caravanas para apreciar a reconstituição cuidadosa e pessoal do ambiente que teria acolhido Jesus. Ia gente até do Farol e Pajuçara. As papadas da vizinha tremiam de prazer. Ouvidos e olhos atentos, deliciava-me com a descrição pormenorizada da divina manjedoura. Ao lado das figuras indispensáveis (a criança, a gestante e o pai), miniaturas de animais cercavam o berço. O inusitado era a gravitação de girafas, zebras, leões e ursos convivendo harmoniosamente com galinhas, ovelhas e bois. Protegida por santo analfabetismo, Olímpia sentia-se liberada de maiores compromissos com desprezíveis detalhes históricos, de modo que pequenas imagens de Pio XII, Padre Cícero e Getúlio Vargas reverenciavam o recém-nascido, fazendo companhia a doces anjinhos. Nos intervalos, a boa vizinha deitava sabedoria. Ao saber da impetuosidade e das ameaças do obscuro procurador, foi definitiva: “Meu filho, nunca esqueça de que tem quatro pessoas no mundo que você jamais deve arengar: o clero, a polícia, a justiça e a sogra”. (*) É médico e professor da Ufal.

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