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Nº 5695
Opinião

O conforto da omissão .

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Por Marcos Davi Melo - médico e membro da AAL e do IHGAL | Edição do dia 23/03/2024 - Matéria atualizada em 23/03/2024 às 04h00

Depois que li em um jornal de grande circulação nacional um artigo de uma jornalista que dizia que as pessoas ou estão doidas ou medicadas, procurei e achei em Imanuel Kant (1721-1804) algum oxigênio: Kant buscou criar um modelo ético de vida que fosse independente de qualquer tipo de justificação moral ou religiosa e se baseasse apenas na capacidade de julgar inerente ao ser humano. Ele elaborou um imperativo, uma ordem, de forma que o indivíduo pudesse utilizar como uma bússola moral: o Imperativo Categórico.

Esse Imperativo Categórico é uma lei moral interior ao indivíduo, baseado apenas na razão humana e não possui nenhuma ligação com causas sobrenaturais, supersticiosas ou relacionadas a uma autoridade do Estado ou religiosa. O filósofo buscou fazer com a filosofia o que Nicolau Copérnico fez com as ciências. A revolução copernicana transformou toda a forma de compreensão do mundo.

Como lidaria Kant com os efeitos da era da polarização afetiva em que vivemos quando desistimos a priori de conversas difíceis? A maioria de nós considera perda de tempo tentar convencer o amigo inflamado de que a sua escolha política é perigosa. Essa é uma atitude que faz sentido do ponto de vista individual - esses diálogos podem ser animicamente desgastantes - mas que não ocorre sem ônus coletivos. A sociedade fica empacada se certos debates não são travados. Dá até para argumentar que é moralmente errado não demover um pai antivacina da decisão de não imunizar o filho - e o resultado?

No mundo demencial das redes sociais, onde as pessoas se guiam só pelo que circula nos aplicativos e vivem em um mundo paralelo, desprezando os fatos e assumindo narrativas calcificadas submissas à ideologias e interesses inconfessáveis e as bússolas morais estão desajustadas, como agiremos para manter contatos e não ficarmos tão isolados como Adão no dia das mães?

Kant reforça a ideia de que somente o pensamento autônomo poderia conduzir os indivíduos ao esclarecimento e a maioridade. A maioridade de Kant não está relacionada com a idade, ou maioridade civil, ela é a independência dos indivíduos fundamentada na sua capacidade racional de decidir por si mesmo o que é o dever. A ética de Kant fundamenta-se única e exclusivamente na Razão, as regras são estabelecidas de dentro para fora partir da razão humana e sua capacidade de criar regras para sua própria conduta.

Ficamos angustiados vendo pessoas que apreciamos tecendo comentários desconexos com a realidade. Nós devemos alertá-las que estão sendo tragados pelo lodo das fake news, causar-lhes desgosto e ainda criarmos inimizades? Mas quando uma filha apela: “Pai, não frauda o cartão de vacina não! Eu quero tomar a vacina!”. Pode-se ficar omisso?

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