As calamidades climáticas e o nosso futuro .
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Por Marcos Davi Melo - médico e membro da AAL e do IHGAL | Edição do dia 11/05/2024 - Matéria atualizada em 11/05/2024 às 04h00
Há 150 anos, a maior floresta de Araucária do mundo ficava nos estados brasileiros do Paraná e Santa Catarina. Bela paisagem, árvores frondosas, sementes deliciosas (o pinhão cozido), uma parte da gastronomia daquela região. A Araucária angustifolia conseguiu resistir à última glaciação no planeta e sobreviveu exuberante por mais de um milhão e meio de anos; agora em nosso país, não chega a 4% da área original de árvores dessa espécie.
Segundo Cortella, o que a glaciação não desfez em alguns milhões de anos, nós, espécie agora predatória - que não consegue entender que somos apenas “usuários compartilhantes”, em vez de “proprietários eternos”, com nossa soberba -, aniquilamos em apenas um século e meio, tempo que é uma gota no oceano da existência.
Há uma regra básica no sistema-vida: simbiose, vida junta, independência e convivência na biodiversidade humana e da natureza. Esquecemos isso? A nossa arrogância é tamanha que agora estamos vivendo à sombra do derretimento veloz das calotas polares e elevação do nível do mar, as alterações inauditas oriundas do aquecimento global e das águas dos oceanos, a desertificação das florestas. É a vida e a biodiversidade que estão em risco.
O Brasil tem, segundo o Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de desastres Naturais (Cemaden), quase 2 mil cidades sob risco de desastres naturais, a maior parcela estando em Minas Gerais. Em Alagoas, temos 47 cidades incluídas nesse cenário ameaçador. Segundo o Cemaden, “o conhecimento aqui do centro deveria estar na vanguarda de toda inciativa conduzida por ministérios para estabelecer planos e políticas. O Brasil fica muito na gestão do desastre, e precisa centrar esforços na gestão dos riscos e desastres”. As chuvas mataram 143 pessoas no país em 2021. Somente nessa calamidade no Rio Grande do Sul, as mortes já ultrapassavam 100, com mais de 120 desaparecidos na última quinta-feira (9). O país reponde com solidariedade aos gaúchos, mas existem também os pervertidos usando fake news e praticando outros crimes.
Já é tarde? Segundo um pensador do século XIX, “a humanidade nunca se coloca diante de problemas que já não tenha condições para resolver, pois as mesmas condições que geram a consciência do problema são as que ajudam a gerar soluções”. Isso ainda vale? O caso das mudanças climáticas é muito difícil, mas não é invencível. Nós o criamos e podemos “descriá-lo”, com menos cinismo, menos egoismo, identificando explicitamente o negacionismo, que precisa ser enfrentado com vigor. Com isso, já conseguiremos sustentar o futuro ou pelo menos evitar que ele se torne inviável.
Sabemos: sustentabilidade é exatamente a nossa capacidade de existir de modo pleno sem esgotar as estruturas que geram tal existência, renovando-as e protegendo sua multiplicação. E a parte que nos cabe? O conselho é clássico: a primeira coisa a fazer, quando se está no fundo do poço, é parar de cavar, o que passa inevitavelmente por respeitar a ciência, que previu essas tragédias climáticas há décadas.