Opinião
Inveja

DOM FERNANDO IÓRIO A inveja é persistente emoção que nada tem de invejável: é impotente, medrosa, apesar de insaciável, insatisfeita, tormento sem fim. Afirma Guimarães Rosa: A primeira coisa que um homem para ser alto nesta vida tem de aprender é topar firme a inveja dos outros. Torna-se inevitável confrontar a inveja; resta-nos, no entanto, conhecer bem esse sentimento para bem lidar com ele, e, ao enfrentá-lo, tornar menos traumática a luta. Temos infinitos e justificados motivos para sentir-nos superiores aos outros e, ao mesmo tempo, inferiores a alguém. O nosso equilíbrio afetivo não é bem firme, se sofremos as lacunas que nos tornam insuficientes, se não possuímos segurança bastante para adaptar-nos às dificuldades e à realidade: é ocasião de o germe da inveja crescer em nós, devorando-nos como famélico verme solitário. Existe certo tipo de inveja que é a sadia admiração pelo sucesso do outro, procurando nele espelhar-nos para obtenção do que desejamos, do que invejamos. É a inveja-estímulo. Mas, a inveja, propriamente dita, é a admiração mascarada, rejeitada, não assumida. O invejoso admira, de certa maneira, o invejado; desejaria encontrar-se no seu lugar; sente o seu fascínio, mas não se sente feliz: quer destruir, maldizer, hostilizar, quando deveria aprender a vencer, seguindo os passos do outro. No final, aprendemos que não é, de todo, mal ser invejoso, conquanto saibamos transformar a inveja em admiração, compreendendo que admirar é assumir a inveja e invejar é negar a admiração. Não foi outro senão Balzac que repetia: É tão natural destruir o que não se pode possuir, negar o que não se compreende, insultar o que se inveja. Inveja tem sua etimologia no latim invideo, significando olhar obliquamente, quer dizer olhar mal, com olhos de indiferença. Atém-se a inveja à intriga, à maledicência, a insinuações sussurradas, à desonestidade que age, indiretamente na ausência... Tudo se esgota na vil tentativa de humilhar e prejudicar alguém, na tentativa de desfrutar do sofrimento provocado ao próximo. Esse o núcleo psicológico da inveja: apenas um mórbido prazer advindo da imaginação. Estranho deleite que a ninguém fortalece, nem ao invejoso, muito menos ao invejado. A nossa cultura consumista torna-se a grande incentivadora da inveja: querer ter, sem poder, o que o outro possui. Não deixa de ser ganancioso imaginar que a grama do vizinho é sempre mais verde do que a nossa. Metastásio, poeta italiano do século XVIII, faz-nos meditar, quando escreve: Se a angústia que cada um leva consigo estivesse inscrita em sua fronte quanta pena sentiríamos dos que hoje nos causam inveja. (*) É BISPO DE PALMEIRA DOS ÍNDIOS