O capital jurídico do envelhecimento saudável
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Por Laura Brito - dvogada especialista em Direito de Família e das Sucessões | Edição do dia 01/10/2024 - Matéria atualizada em 01/10/2024 às 04h00
O gerontólogo Alexandre Kalache é uma referência no tema do envelhecimento e sempre cuida de pontuar que, para envelhecer bem, é preciso acumular quatro tipos de capital.
O primeiro é deles é o capital da saúde, para que seja possível envelhecer bem. Como ele mesmo lembra, sem corpo e mente saudáveis, mesmo com dinheiro, a idade pode virar um fardo. O segundo é o capital do conhecimento, para prosseguir se adaptando ao um mundo cada vez mais complexo. É preciso aprender e continuar aberto ao aprendizado para se manter participando integralmente da sociedade.
O terceiro é o capital social, ou seja, o cultivo das boas relações, das interações pessoais e da família. Além da importância que essas relações têm para a saúde mental, essa rede pode ser um importante apoio para que o idoso tenha com quem contar em momentos de maior vulnerabilidade. O quarto capital é o financeiro propriamente dito. Um envelhecimento saudável tem que ser um envelhecimento tranquilo, com as contas pagas, com o sossego do teto, com autonomia para tomar decisões no campo patrimonial.
Ouso sugerir o acúmulo de outro capital: o jurídico. Existem muitas informações legais que podem transformar completamente o envelhecimento das pessoas: (i) as decisões de saúde, (ii) a herança digital, (iii) a preparação para eventual incapacidade, e (iv) o planejamento patrimonial sucessório.
Decisões sobre tratamentos médicos podem ser tomadas de maneira antecipada: quem deverá decidir por mim se eu não puder manifestar minha vontade? quais procedimentos devem ser evitados em caso de uma doença para qual já não há mais tratamento de cura? Essas resoluções podem ser formalizadas em diretivas antecipadas de saúde, dentre as quais estão o mandato duradouro e o testamento vital.
É interessante, ainda, falar sobre o que ficará de nós no mundo virtual – redes sociais, aplicativos de mensagens, repositórios de fotos. Hoje, o equilíbrio entre as manifestações de vontade sobre o destino dessas informações, os termos de adesão das plataformas e o respeito à intimidade é delicado. Dentro dos limites possíveis, devemos tomar providências individuais de proteção da imagem, da memória e uso que desejamos de nossos perfis para depois da nossa partida.
A terceira preparação jurídica é para eventual incapacidade por meio da autocuratela, em que a pessoa sã deixa especificados seus desejos de cuidado e organização financeira para caso de incapacidade. É muito mais fácil preservar a autodeterminação de alguém quando sua vontade está expressa em um documento.
Por fim, é preciso se informar sobre planejamento patrimonial sucessório.
O direito conforma uma série de decisões patrimoniais, limita a autonomia da vontade e determina como os bens serão transmitidos. Para que se tenha mais autonomia para usufruir de seu patrimônio em vida e para decidir o destino dos bens na sua morte, deve-se buscar um planejamento personalizado e com instrumentos que a tranquilizem sobre o que acontecerá com o seu patrimônio.
Como se pode ver, os pilares de um envelhecimento saudável dependem de uma boa fundação jurídica, que permitirão a construção de um edifício sólido para a passagem do tempo.
E se você acha que isso é coisa de pessoa idosa, não poderia estar mais enganado. Alexandre Kalache, ao falar dos capitais do envelhecimento, sempre lembra que é melhor começar aos 20 que aos 60. Mas, se não começou aos 20, que comece já.
Depois de tantos anos atendendo famílias, posso dizer o mesmo sobre o capital jurídico: planejamento é bom em todas as idades. Procure um advogado especializado. É muito difícil escutar todos os dias: doutora, eu queria ter sabido disso antes.