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Por | Edição do dia 19/09/2008 - Matéria atualizada em 19/09/2008 às 00h00
| JORGE BRISENO * Do outro lado da linha telefônica, a voz do meu ex-colega do curso de Engenharia em Recife parecia angustiante, atordoada. Ele se lamuriava: Jorge, eles iniciaram mesmo. As máquinas estão aqui em Cabrobó rasgando tudo. Sem entender, eu indago: Não compreendo. O que está a ocorrer?. A resposta vem imediata, desferida como um tiro: A transposição, Briseno. Esqueceu? Eu li que tinham iniciado. Não acreditava. Aproveitei uma viagem a trabalho ao interior do Estado e estou observando com meus próprios olhos. Do outro lado da linha, entre os estalidos da estática do celular, suas frases são entrecortadas por ataques de tosse. Como um afogado que emerge procurando o oxigênio vital, ele fala: Desculpe, é que onde estou tem muita poeira e areia levantadas pelas máquinas. Acredito que tenho pó até nos ossos. Vou me afastar e retorno a ligar. Tchau!. Enfastiado, respondo: Tchau!. A imagem do meu velho amigo, envolvido por uma espessa nuvem de pó, indefeso e cercado por descomunais escavadeiras que, como monstros de aço famintos, cravam seus dentes no solo do Sertão pernambucano, me condói. Pois é, dulcíssimo leitor, de nada adiantaram as súplicas, as advertências, as reclamações, as passeatas de protestos, as orações e até, veja você, uma greve de fome de um bispo. Nada disso foi bastante ou suficiente para demover, dissuadir o governo Lula de iniciar as obras previstas no projeto de transposição das águas do São Francisco. As preocupações de ordem ambiental e de sustentabilidade econômica, levantadas por cientistas e estudiosos a respeito do projeto, foram reprimidas e silenciadas. A teimosia e a cegueira foram tantas, caro leitor, que até um projeto de um órgão do próprio governo federal foi deixado ao largo. A respeitabilíssima ANA (Agência Nacional de Águas) propôs uma alternativa possível à transposição do Velho Chico. A ANA elaborou um excelente trabalho denominado de Atlas Nordeste. O órgão defende a ampliação da rede de adutoras existente, captando água no Rio São Francisco ou nas grandes barragens já construídas no Nordeste. A ANA mostra que o drama da seca pode ser reduzido com investimentos da ordem de R$ 3,6 bilhões, atendendo a 1.356 municípios em nove Estados e beneficiando 34 milhões de nordestinos. Já a faraônica transposição das águas do São Francisco, defendida pelo teimoso governo Lula, custará R$ 6,6 bilhões e atenderá a 391 municípios em quatro Estados e a apenas 12 milhões de pessoas. (*) É engenheiro e diretor da Casal.