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Nº 5905
Opinião

Um dia em Madrid

| MARCOS DAVI MELO * Nunca consegui entender por que um escritor como Hemingway era tão obcecado pelas touradas. Parecia-me uma imensa contradição, o homem que escrevera Por Quem Os Sinos Dobram e Paris é Uma Festa, ser um aficionado do brutal e sanguino

Por | Edição do dia 27/09/2008 - Matéria atualizada em 27/09/2008 às 00h00

| MARCOS DAVI MELO * Nunca consegui entender por que um escritor como Hemingway era tão obcecado pelas touradas. Parecia-me uma imensa contradição, o homem que escrevera Por Quem Os Sinos Dobram e Paris é Uma Festa, ser um aficionado do brutal e sanguinolento espetáculo das arenas espanholas. Alguns anos atrás estava em Madrid; bela e apaixonante cidade; onde se sente mais do que em qualquer outra capital da Europa a efervescência das calles até altas horas da noite, no vai e vem animado das corridas de tapas. As tapas são os muitos tira-gostos encontrados nas incontáveis tabernas, que acompanhados por cañas (cervejas), fazem a delícia das noites madrilenhas: anchovas, saladas de polvo, paella valenciana e o extraordinário jamom (presunto curtido). Em algumas casas tradicionais pode-se ainda apreciar um bom espetáculo de flamenco, enquanto se saboreia um rioja encorpado. Tínhamos já passado uma parte do dia no Prado, apreciando Goya, Velasques, Tintorreto. O Prado é um museu agradabilíssimo, pela praticidade de se ver o mais importante em pouco tempo. Semelhante só o Dorsay em Paris, onde estão os impressionistas. Resolvemos aproveitar a última tarde em Madrid, pegamos o metrô e fomos a Las Ventas, a mais tradicional plaza de toros da Espanha. Confesso que tinha muitas restrições pessoais às touradas, também por imaginá-las uma encenação para turistas. Mas, desde a entrada do cortejo na arena: cavaleiros e toureiros, ao som das trombetas constam-se que eles levam muito a sério aquela arte. E começam as corridas: touros bravios e toureiros audazes e destemidos; até chegar a Rafaelito, o mais cotado do dia enfrentando um gigantesco touro de 740 quilos, botando fogo pelas ventas. O pesado animal investiu e raspou Rafaelito com seus chifres monumentais várias vezes e quase o estraçalhou. Por pouquíssimos milímetros não o conseguiu. Até que ao fim o homem se aproximou da imensa fera e elegante, firme e com um único movimento desfechou-lhe preciso golpe com a espada na região cervical posterior que lhe tirou a vida imediatamente. Com o quepe na mão, saudando o público, rodeou a arena sob aplausos e vivas empolgadíssimos da platéia, que lhe arremessava flores, lenços e muito vinho em embornais de couro, dos quais tomou pelo menos um gole de cada um deles. Senti que a empolgação do público tinha tudo a ver não só com a performance do toureiro mas com o sofrimento mínimo do animal na hora do abate. Então entendi porque Hemingway amava as touradas. (*) É médico e professor da Uncisal.

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