O macabro na pol�tica
Transcorria o ano de 1952, a Argentina era dominada pelo general Perón e as amplas avenidas estavam repletas de militantes peronistas. Na Boca e em San Telmo, as bandas de tango compostas de piano, bandoneon e contrabaixo, atravessavam a noite tocando par
Por | Edição do dia 04/10/2008 - Matéria atualizada em 04/10/2008 às 00h00
Transcorria o ano de 1952, a Argentina era dominada pelo general Perón e as amplas avenidas estavam repletas de militantes peronistas. Na Boca e em San Telmo, as bandas de tango compostas de piano, bandoneon e contrabaixo, atravessavam a noite tocando para casais colados e contritos, cuja dama invariavelmente usava uma saia com um longo e audacioso corte, que em alguns momentos deixava à mostra uma nesga generosa de suas coxas alvas e grossas. Bruscamente a terra tremeu: Evita Perón, a primeira dama idolatrada pelo povo, morreu vítima de um câncer de útero que furtivamente a maltratava há tempos. Peron resolveu tirar proveito da comoção popular: ordenou que o seu corpo fosse embalsamado, colocado em uma redoma de vidro e destinado a visitação pública. Começou aí um período de romarias populares à redoma que sedimentou no povo o mito de Santa Evita, que só aumentaria com o que aconteceu depois. Três anos depois, o ditador caiu e os militares tomaram o poder. Evita tornou-se um fardo pesado demais para qualquer regime e assim teve início uma das mais insólitas peregrinações de que se tem noticia. Seqüestrado pelo Serviço de Inteligência do Exército, o cadáver vagou semanas pelas ruas de Buenos Aires. Estacionou durante meses nos fundos de um cinema. Quedou em um teatro abandonado. Prestou-se a todos os tipos de paixões no sótão da casa de um capitão desmiolado até reaparecer, dezesseis anos mais tarde na Espanha, de onde foi recambiado para a Argentina, onde finalmente, a antiga cantora de cabarés foi sepultada. Alagoas em relação ao macabro na política tem extensa contribuição. Recentemente, falecido o prefeito de determinado município, antes de adentrar ao cemitério, seu corpo depositado em um caixão circulou demoradamente por ruas e locais que freqüentava e apreciava inclusive seu bar preferido, onde na derradeira noite vivo, jogara no carteado o Relancinho, sua preferência. Acompanhava-o enternecida voz, que ao microfone de um carro alto-falante ilustrava tudo o que se passava para a consternada multidão. Além de, naturalmente, seu brioso cavalo, que selado e altaneiro, pronto estava para qualquer eventualidade. Mas o macabro na política não vive só dos falecidos. Gente muito viva praticava na nossa Assembléia Legislativa coisas das mais macabras, que agora parecem vão findar. A Argentina, no que tem de atraso, muito se deve ao peronismo, trágica herança a perdurar até hoje. Em Alagoas espera-se que as eleições tornem-se mais limpas e justas para que possamos ir superando o atraso macabro. (*) É médico e professor da Uncisal.