Opinião
Samaritano solid�rio

DOM FERNANDO IÓRIO * Das entranhas do nosso povo ecoa ensurdecedor grito por justiça, solidariedade e espiritualidade libertadora. Provam as estatísticas que 1% das pessoas mais ricas do Brasil possui renda equivalente a 13,8% da população, enquanto os 50% mais pobres detêm somente 13,5% da renda. Sabe-se, ainda, que 2,8% dos latifúndios abrangem 57,6% das terras brasileiras, enquanto 62,2% dos minifúndios dispõem, apenas, de 7,9% de espaço. A Petrobras retira petróleo do mar de uma profundidade de 2.300 metros, enquanto, por falta de decisão política, não existe tecnologia para extrair água a 50 ou 80 metros do subsolo para minorar a sede do povo do semi-árido brasileiro. No mundo, a cada ano, 200 milhões de crianças morrem por falta dágua. Revela a ONU que, em 2025, se continuar o atual ritmo de devastação ambiental, 40% da população mundial vai morrer de sede. A realidade é dramática, exigindo urgente desafio: globalizar a solidariedade e lutar pela justiça de mãos dadas. Chegada é a hora de, para além da justiça, viver a solidariedade libertadora. Quem lê o evangelho de São Lucas (10, 25-37), descobre neste episódio-parábola, a solidariedade do samaritano, na estrada de Jericó. Era um estrangeiro, discriminado, como hereje, pelos judeus, um excluído que entra para a História como o modelo dos voluntários autênticos. Denuncia ele uma estrutura assaltante, violenta, sendo solidário de modo gratuito e libertador. Em viagem, diminui os passos, pára e se aproxima da realidade sofredora daquele desconhecido, espancado, desfalecido, semimorto. Não passa adiante, forjando teorias justificativas sobre a violência. Interrompe seus planos, deixando-se guiar pelo inesperado, pelo que acontece. Deixa que a dor do outro penetre as entranhas do seu existir. Passa a ver seus planos, a partir dos sofrimentos do outro. Aciona as mãos na prática da misericórdia. Dor sentida é dor partilhada, é dor diminuída. Presta os primeiros socorros e, logo após, encaminha o violentado a uma hospedaria para os devidos cuidados, à custa do próprio dinheiro. Soube o samaritano da hora, para entrar na vida do sofredor, bem assim do momento para partir, sem revelar nome, nem endereço, libertando o socorrido de dizer obrigado. Ao fim da parábola, concluiu Jesus: Vá, você e faça o mesmo. Permita-se-me lembrar o episódio de Ali-Babá que deixara para seus 4 filhos a herança de 39 camelos, explicando a divisão: a metade para o mais velho; um quarto para o terceiro; a oitava parte para o segundo e a décima para o mais moço. Brigavam os quatro e não se entendiam, porque a divisão era impossível sem o esquartejamento dos animais. Na ocasião do desentendimento, passava um beduíno montado em seu camelo. Num ato de solidariedade e de justiça, oferece o seu camelo para realizar a divisão. - Olhem, diz ele, com o meu camelo, vocês perfazem o total de 40 camelos. Se a metade é para o mais velho, terá ele 20 camelos; se o outro deve ter a quarta parte, caberá a ele 10 camelos; se o segundo tem por herança a oitava parte, vai ficar com 5 camelos; se o mais moço tem direito à décima parte, vai ficar com 4 animais. Agora, somem a divisão: 20+10+5+4 = 39. Fica sobrando o meu camelo que levarei comigo. É interessante: tudo o que se dá, na solidariedade, não deixará de retornar ao próprio dono. (*) É BISPO DE PALMEIRA DOS ÍNDIOS