Mortui Morituri
Faz poucos dias, lembrou-nos a Liturgia da Igreja aqueles e aquelas que partiram para outra vida, no transporte da morte. E me volto para um dos cemitérios de Maceió, em cujo frontispício, lemos: mortui morituri (ao morto os que hão de morrer). Não fa
Por | Edição do dia 04/11/2008 - Matéria atualizada em 04/11/2008 às 00h00
Faz poucos dias, lembrou-nos a Liturgia da Igreja aqueles e aquelas que partiram para outra vida, no transporte da morte. E me volto para um dos cemitérios de Maceió, em cujo frontispício, lemos: mortui morituri (ao morto os que hão de morrer). Não faz mal, retornar aos primeiros séculos da Igreja, quando os primitivos cristãos tinham o dia da morte, como dies natalis. Nascemos para morrer, mas morremos para viver. Morrer, asseverava um dos gênios da música, Gounod, é sair da existência para entrar na vida. Modernamente, vamos encontrar em Santa Terezinha: Eu não morro, entro na vida. Se deixo a espiritualidade teresiana e me volto para o mundo da intelectualidade, encontro-me com o pensamento de Gratry: a morte é o grande dia que me faz passar do estado de vida móvel, opaco, informe ao estado novo que esperamos. Sim, a morte é o processo principal da vida, seu processo de transcendência: é sair de si para entrar no infinito de Deus. Se me volto para a poesia salmódica, lá encontramos, no paralelismo bíblico do salmo 117: não morrerei, mas viverei e narrarei as obras do Senhor, cantava o Rei Davi (non moriar, sed vivam). Se me abraço com o novo testamento, Paulo fala aos Coríntios: Olho jamais viu, nem ouvido ouviu... o que Deus preparou para aqueles que o amam. Por sua vez, João, na sua primeira epístola: um dia seremos semelhantes a Deus, porquanto O veremos como Ele é . É verdade que, na outra vida, vamos conhecer Deus, como Ele se conhece, amá-lo como ele se ama, gozar Dele como Ele goza de si mesmo. Ou melhor ainda: Ele é quem nos introduzirá no seu conhecimento, no seu amor, na sua alegria. Entretanto, tudo é indizível: as palavras humanas são apenas balbucios diante das grandes realidades que, então, viveremos. Ao conhecerem um pálido reflexo dessas belezas, eram os místicos transportados e cantavam: Alegria! Alegria, num estilo de sacralidade, mui diverso da canção tropicalista de Caetano Veloso, Alegria! Alegria!. A morte fixa o ser humano na sua orientação definitiva. Coloca-nos à morte, para sempre no grau de glória correspondente a nosso grau de graça. Tudo isto, conduziu o grande Lacordaire a afirmar, no púlpito de Notre Dame: A morte é o mais belo momento do ser humano. Já a vida inteira é a grande preparação para ela. Pensa você assim? Acrescente alguma coisa ao que escrevi. (*) É bispo emérito de Palmeira dos Índios e membro da Academia Alagoana de Letras.