Caminho
Pra lá da última esquina

“Se fosse pra ser bem precisa, fiel mesmo aos mapas todos, quando você tiver chegado na última esquina, não vai ter percorrido nem metade do caminho. É desse tanto de “lonjura” que a gente tá conversando. Eu não sou boa disso, não, Rô”. Essa era minha analisanda de sexta-feira (a última do dia) tentando me explicar quão distante se considera de encontrar uma pessoa “com quem valha a pena (meia pena que seja) se relacionar”. Ela tem as melhores metáforas e construções de frases.
Não é a única que me diz dessa sensação, é quem diz de forma mais literária, isso sim. Mas, nossa, como tenho escutado coisas parecidas. Pra além da análise dela - e da tua, caso essa seja uma fala que poderia ter saído também daí-, a primeira pergunta que me vem à mente é: de que ‘pena’ a gente tá falando?
Vê, se relacionar envolve investimento e alguns investimentos podem ser mesmo penosos. Dá uma olhada nessa definição de penoso, a primeira que me apareceu aqui na pesquisa. Que causa dor e sofrimento; doloroso. Que não é agradável; que provoca desconforto; desagradável. Que demanda muito trabalho, muito esforço; difícil.
“Que causa dor e sofrimento; doloroso” me pega um pouquinho. Um relacionamento que cause dor e sofrimento, a depender da dor e do sofrimento, já é caso de entender mesmo se vale. Agora “que não é agradável; que provoca desconforto. Que demanda muito trabalho, muito esforço; difícil” é meio que o basicão de existir, não? Um bebê quando nasce e tem a experiência de respirar fora da barriga da mãe pela primeira vez, se pudesse ser entrevistado na sequência (e soubesse falar, dizer de si e tudo aquilo) dificilmente classificaria a cena como agradável, certo? Viver dá trabalho, demanda esforço, às vezes é meio difícil, mas é massa também. Vale, claro que vale. Tô doida?
A segunda pergunta é: e tu tá fazendo o que além de se relacionar? Estamos em relação a alguém (na relação com alguém) desde aquela hora do parto. Relacionar-se é beabá da condição humana.
Eu sei que não é esse o tipo de relacionamento que foi mencionado na minha sessão da sexta. Mas às vezes penso que olhamos para a relação erótico afetiva como se ela estivesse apartada das outras todas.
Minha analisanda “vai ficando” (conhecendo um monte de gente) no objetivo, segundo ela, de “fazer supletivo de como lidar com o outro”. Diz que nasceu sem essa habilidade e não tá conseguindo aprender por nada, ainda que tente. De onde vejo, penso que descreve a dificuldade de buscar alguém “que valha” como se fosse dela a incapacidade da busca ou até mesmo da condução de uma relação. Mas faz isso enquanto se relaciona e busca. Quase como aquela bailarina girando na ponta do pé enquanto jura que balé não é pra ela. Tá aí um lugar onde o gerúndio fica bem na frase. A gente pena penando e se relaciona se relacionando. Sei lá, mil coisas.