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Nº 5900
Opinião

Cr�nica da morte de uma crian�a

O dia está quase amanhecendo. Olho para o horizonte buscando ver algum sinal de luz. A noite foi longa. Tudo começou com um breve telefonema na noite anterior. A pessoa que me telefonou me perguntou: “Me diz aí o que é insuficiência cardíaca?”. Eu retruqu

Por | Edição do dia 14/11/2008 - Matéria atualizada em 14/11/2008 às 00h00

O dia está quase amanhecendo. Olho para o horizonte buscando ver algum sinal de luz. A noite foi longa. Tudo começou com um breve telefonema na noite anterior. A pessoa que me telefonou me perguntou: “Me diz aí o que é insuficiência cardíaca?”. Eu retruquei: “Mas por que você me pergunta isso?”. Ela respondeu: “É que desde que morreu uma criança aqui na comunidade botando vermes pela boca e nariz, que eu tenho essa dúvida... porque no tal papel que deram para a família, tinha escrito ‘insuficiência cardíaca’... e eu fiquei pensando, pensando e hoje é que eu resolvi perguntar... em vez de ser insuficiência cardíaca, não devia estar escrito ‘insuficiência de governo’ não?”. Minha alma calou-se. Sim, estamos em 2008 e me sinto envergonhada de viver em uma sociedade que enterra silenciosamente suas crianças, assassinadas pelo modelo de desenvolvimento escolhido, pela pobreza conseqüente e pela irresponsabilidade política daqueles que escolhemos para serem os nossos governantes. Mas, não somos isentos nessa questão. Não! Podemos nos colocar à margem, mas essa posição não é inocente. A tensão resultante deste quadro já pipoca por todos os lados e as negligências estruturais, que resultam em tantas respostas violentas, como a morte dessa criança, por exemplo, não se dissipam como bolhas de sabão, mas antes são como lavas que se expandem, alimentando um vulcão prestes a explodir. Uma manchete atual diz que, de acordo com o Fundo de Populações das Nações Unidas, o Brasil é o terceiro maior índice de mortalidade infantil da América do Sul, com uma estimativa de que a cada grupo de mil crianças nascidas vivas no País, 23 morram antes de completar um ano de idade. Em Alagoas, segundo dados do IBGE 2006, 51 crianças morreram nesta mesma fase da vida. É bom que se saiba que a mortalidade infantil expressa, como preciso indicador que é, as condições de vida de uma população, bem como seu acesso ao provimento de direitos. Infelizmente, esse é um tipo de morte que acontece no silêncio, sem nota paga na mídia. Essa é uma morte que existe em segredo, entre a família, que sobrevive exausta na indignidade da miséria e o serviço público, que prestou o último (e talvez único) atendimento à criança. Não vai dar sol hoje, o dia amanheceu nublado. Apocalipse está na moda. (*) É professora da Ufal.

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