O pecado de Ad�o
Admito, sem alegria ou glória, para dizer a verdade, até com certo desconforto, a involução progressiva das minhas convicções religiosas, reduzidas, hoje, a estado quase larvar. Não obstante, reconheço-me como depositário de básica doutrina cristã remanes
Por | Edição do dia 29/11/2008 - Matéria atualizada em 29/11/2008 às 00h00
Admito, sem alegria ou glória, para dizer a verdade, até com certo desconforto, a involução progressiva das minhas convicções religiosas, reduzidas, hoje, a estado quase larvar. Não obstante, reconheço-me como depositário de básica doutrina cristã remanescente, que insiste em não me abandonar, a despeito do pouco investimento intelectual no assunto ao longo dos últimos anos. É que mal completados seis anos de idade, consolidaria o aprendizado da arte de ler mergulhado em textos selecionados (e fascinantes) da História Sagrada, matéria obrigatória do currículo do Colégio Diocesano na década de 50 do século passado. Não sei se é a isso que se convencionou chamar de lavagem cerebral, mas o fato é que boa parte dos acontecimentos do dia-a-dia me remetem a alguma historieta bíblica. É vero que a interpretação pessoal nem sempre coincide com a exegese dos teólogos que semanalmente escrevem nesse privilegiado espaço. Olho, por exemplo, as imagens dessas desgraças que varrem o vale do Itajaí e me vem a lembrança do velho Noé, o da arca, com suas filhas taradas a embriagá-lo diariamente para insultuoso incesto. Noé foi um exemplo de dedicação e obediência. Perversões à parte, quantas vezes fiquei a imaginar o tamanho de sua embarcação para poder abrigar um casal de bichos de todas as espécies a fim de reassegurar o equilíbrio da natureza. E ele ali, impávido missionário, verdadeiro domador de circo, a conter previsíveis inquietações daquele gigantesco zoológico improvisado, talvez sem se dar conta da devida dimensão do seu desempenho para a sobrevivência do homem na terra. Isso, sem falar na preservação das espécies ameaçadas de extinção. Na minha mente desenha-se a figura do livro representando o desembarque: Noé, no convés, atento a comandar a descida dos bichos, à frente pacato casal de elefantes. No detalhe, uma pomba com um raminho de oliveira. Voltei a me lembrar do bom Adão esta semana com o pedagógico texto da pediatra Marluce Barbosa Abreu Masturbação na adolescência. Aos olhos do menino que fui, Adão e Eva nunca me mereceram respeito. Pensar que o destino da humanidade esteve nas mãos de dois adolescentes irresponsáveis que se deixaram iludir por uma cobra falante. Jogar tudo fora por uma maçã? Após a leitura do texto de Marluce, retiro as minhas restrições aos nossos primeiros pais. Nunca houve maçãs. A expulsão de Adão era questão de tempo. Seu pecado foi a masturbação. (*) É médico e professor da Ufal.