Um Natal diferente
Ainda estávamos alheios àquela data quando Lucas, meu neto de 14 anos, perguntou-nos se, à noite, iríamos nos reunir no Natal, como de costume. Acabávamos de levar nosso patriarca Ib Gatto à sua fictícia última morada. Ali ficaria seu corpo inerte, pois n
Por | Edição do dia 28/12/2008 - Matéria atualizada em 28/12/2008 às 00h00
Ainda estávamos alheios àquela data quando Lucas, meu neto de 14 anos, perguntou-nos se, à noite, iríamos nos reunir no Natal, como de costume. Acabávamos de levar nosso patriarca Ib Gatto à sua fictícia última morada. Ali ficaria seu corpo inerte, pois não caberiam seu espírito impulsivo e seus múltiplos sonhos não realizados. Pensamos, e, ainda no Campo Santo, resolvemos que seria gratificante para ele vislumbrar a todos como sempre nos viu: juntos. Então resolvemos fazer um Natal diferente. Uma noite onde se entrelaçou a alegria pela comemoração do nascimento do pai do Cristianismo e o sentimento profundo pela perda daquele que foi um dos maiores praticantes de seus preceitos. Uma noite onde a sua ausência foi a grande presença entre nós. Uma noite onde repassamos Natais passados, na memória, quando nos contava suas histórias ricas de alegria, mas às vezes cheias de tristeza, revoltando-se por não ver nos homens públicos vontade política para a solução de problemas que afetam os menos favorecidos, especificamente o abandono por que passam as crianças de rua. Afirmava ser de fácil superação. E nos mostrava o caminho. Mas também uma noite onde, não havendo a tradicional troca de presentes, a figura do velhinho de barbas brancas foi evocada por outro neto, de quatro anos, Matheus, quando colocou uma cadeira na varanda do apartamento, para melhorar sua visão externa e perguntou: Papai Noel não vem? Não precisou a intervenção de um adulto, mas o amadurecimento e o cuidado de um outro neto, Ib, de 14 anos, para que o primo continuasse com seu sonho, intocado (talvez inspirado pelo bisavô homônimo, para demonstrar a filosofia de Lévi-Strauss) dizendo: acho que Papai Noel pode não vir, pois minha amiga Marta nominando uma das renas disse-me que estavam em greve por falta de salários e que todos os vôos estavam lotados. Difícil para Matheus entender, mas seu gesto, indo à varanda, também levou a todos nós para tentar ver a estrela que Enio tão bem simbolizou na charge da Gazeta de Alagoas daquele dia: o próprio Ib Gatto sendo alçado ao seu merecido lugar, após ter mais que cumprido sua missão de médico, educador, intelectual e acima de tudo de humanista, entre nós, como ele mesmo dizia, pobres mortais. Quis o mestre Ib, partindo em momento tão significativo, deixar-nos a refletir sobre a vida em toda sua amplitude: nascimento e morte. E como sempre foi inovador, proporcionar-nos um inesquecível Natal, embora diferente. (*) É bacharel em Economia.