Golpe
O julgamento

O julgamento dos acusados de tramar um “golpe de Estado” para manter Bolsonaro no poder, a despeito de sua derrota nas urnas em 2022, pode representar não só um acerto de contas da democracia com seus inimigos recentes. Existe também uma expectativa de que o Supremo Tribunal Federal possa passar para uma nova fase, que seria o seu retorno ao leito da normalidade institucional.
Jurídica e simbolicamente, a punição exemplar dos eventuais condenados pela sedição encerrará o período mais turbulento da história constitucional inaugurada em 1988, no qual a sobrevivência do próprio Estado Democrático de Direito consagrado desde o preâmbulo da Constituição foi posta em xeque.
Não se deve minimizar a gravidade desse risco. Jamais, desde a ditadura militar, o Brasil havia assistido a um ataque tão desabrido às instituições republicanas, com a tentativa deliberada (Fux citou as obras e Élio Gaspari) de subverter a vontade popular expressa no voto. Segundo a denúncia apreciada pelo STF, Bolsonaro esgarçou o sistema de freios e contrapesos, recorreu a expedientes típicos de regimes autoritários e tentou arrastar o País para o abismo social e político - com prováveis e severas consequências econômicas - exclusivamente porque, ora vejam, perdeu uma eleição que foi considerada limpa. Nesse contexto, coube ao STF a faina de defender a democracia contra agressões inauditas - processo em nome de imperativos excepcionais que ultrapassaram o que previam a lei e a Constituição.
Muitas dessas medidas excepcionais, se não todas, seriam inaceitáveis em condições normais. Colegiada ou monocraticamente, pela lavra do ministro Alexandre de Moraes, o STF determinou o cerceamento prévio da liberdade de expressão de investigados, impôs medidas cautelares questionáveis e conduziu inquéritos sob sigilo por tempo demasiadamente longo. Mas também é verdade que, se a Corte tivesse sido leniente diante do golpismo de Bolsonaro e sua grei, decerto o País estaria submetido hoje aos horrores de um Estado verdadeiramente de exceção.
Como já sublinhamos neste espaço, a condução dos inquéritos dos atos antidemocráticos e da AP 2.668, em linhas gerais, não foi imaculada, mas o STF acertou muito mais do que errou. Foi firme quando tantos outros foram tíbios. Resistiu a tremendas pressões e assumiu riscos não triviais para, ao fim, preservar o que mais importa: o regime de liberdade previsto na Constituição.
A própria realização do julgamento é a prova de que a República resistiu ao assalto autoritário. Os que se provarem golpista estão sendo condenados e ponto.
E é justamente porque a democracia venceu seus inimigos que o STF precisou reconhecer que a excepcionalidade chegou ao fim. A preservação das instituições e das liberdades democráticas não mais depende de expedientes judiciais extraordinários. O julgamento na 1ª Turma resultou em 4x1 em desfavor de Bolsonaro. Foi um resultado esperado, a não ser o voto do ministro Fux, que em contradição com votos anteriores (quando condenou 400 da raia miúda a 17 anos de cadeia), também foi incoerente por ter sentenciado o general Braga Neto e o tenente-coronel Mauro Cid, enquanto inocentava o líder da organização, o ex-presidente Jair Bolsonaro.