Desigualdade, tempero do terror
Enquanto Barack Obama sinaliza para o diálogo e rechaça a política belicista de seu antecessor, impondo uma etapa que pode ser histórica na construção da paz mundial, concentro-me no livro O vulto das torres, uma maçaroca de quinhentas páginas genialmente
Por | Edição do dia 03/02/2009 - Matéria atualizada em 03/02/2009 às 00h00
Enquanto Barack Obama sinaliza para o diálogo e rechaça a política belicista de seu antecessor, impondo uma etapa que pode ser histórica na construção da paz mundial, concentro-me no livro O vulto das torres, uma maçaroca de quinhentas páginas genialmente produzida pelo jornalista Lawrence Wright. Prêmio Pulitzer em 2007, Wright traça o caminho da organização terrorista Al-qaeda e a trilha até o ataque de onze de setembro ao World Trade Center. Pela riqueza de detalhes, o livro de Lawrence é uma reportagem de fôlego, como se carimba no jargão jornalístico. Além de desvendar o pensamento radical de facções do islamismo, desde a década de cinquenta, a narrativa do repórter descortina o perigoso jogo do poder entre as nações, com lances de corrupção, fanatismo religioso, intervencionismo e violência. Daí a torcida pelo sucesso de Obama nessa virada de mesa, sobretudo quando se disseca um passado, tendo a política americana como indutora do processo de radicalização e de disputa da hegemonia econômica. Quando os russos invadiram o Afeganistão, a assessoria de segurança nacional do governo americano interpretou tal fato como uma grande oportunidade de oferecer aos invasores a sua própria guerra do Vietnã. Daí nasceu a aliança secreta entre os EUA e a Arábia Saudita, onde o pai de Bin Laden se tornara megaempresário da construção civil, numa teia de favorecimento e corrupção sem limites. A aliança canalizou uma soma incalculável de dólares para alimentar a resistência contra os russos, tendo o líder da Al-qaeda como aliado inconfessável da Casa Branca. Na teia do fanatismo, houve ainda a aglutinação de guerrilheiros jovens, sob o estandarte do Grupo Islâmico Armado. Apenas uma entre tantas facções compostas pela juventude paupérrima do Afeganistão, que encharcou as ruas de sangue por longos anos. Mataram freiras, diplomatas, sacerdotes, feministas, médicos e homens de negócio. Pela lógica do grupo, democracia e islã eram incompatíveis. Logo, qualquer cidadão portador de título de eleitor era alvo em potencial. O semanário do GIA, publicado em Londres, estampou em 1994: Graças a Deus, cortamos duzentas gargantas hoje. Lawrence tem razão ao concluir que o radicalismo costuma prevalecer quando a população jovem é ociosa, quando a arte é empobrecida e quando o entretenimento é policiado ou inexistente. Além de defender a paz, Obama carrega em seus ombros a responsabilidade de contribuir na consttrução de um mundo mais justo e menos desigual para todos. (*) É jornalista.