Opinião
Sepultando meus mortos

Com o título acima, o grande escritor Humberto de Campos escreveu um livro em que relata episódios da vida de pessoas que marcaram sua existência e que, ao vê-las partir para sempre, a elas se referia como ?meus mortos?. Realmente, de quando em vez, lá vamos nós, com grande tristeza, sepultar nossos mortos queridos. Familiares e amigos, enfim, alguém que de certa forma marcou nossas vidas com gestos, atitudes, favores ou mesmo uma fraterna amizade. No último dia 21, deixei para sempre no seio da terra uma pessoa que muito estimava: minha caríssima sogra d. Beth. Costuma-se brincar com a figura da sogra como alguém que atrapalha, dificulta, implica. A minha era uma criatura admirável. Há 50 anos tive o imenso prazer de conhecê-la, quando iniciei o meu namoro com a Myrza. Tínhamos um pelo outro uma profunda estima. Aos 98 anos nos deixou, depois de uma enorme enfermidade, em que foi assistida com desvelo por sua imensa descendência e o carinho sem limites do seu filho Roberto, com quem morava, e sua nora Esther. No silêncio do Parque das Flores, vejo o mesmo ritual: flores, lágrimas, orações e muita saudade. Saudade de momentos vividos, de momentos inesquecíveis, de companheirismo e de solidariedade. Flores em abundância. ?Até nas flores reside estranha sorte; umas enfeitam a vida, outras enfeitam a morte?. Olho e vejo a imensidade dos túmulos enfileirados unindo pobres e ricos, doutores e gente simples. ?Tu és pó e em pó retornarás um dia?, diz a Escritura Sagrada. É verdade. O fato é que todos nós, um dia, faremos uma viagem sem retorno. Sabendo dessa fragilidade em nossa passagem terrena, devemos, dentro do possível, aproveitar e viver em plenitude cada momento. A vida é como a roseira: tem perfume e espinhos, cabe a cada um de nós desfrutá-la. A vida, caro leitor, se constrói na caminhada. Quando você estiver angustiado, impaciente, cheio de problemas, olhe para o céu, respire fundo, veja a beleza das estrelas, penetre na imensidão do infinito e descanse a sua mente. Temos uma existência que nos cabe administrar e assumir. Procure retocá-la com lucidez e esmero como faz o artista em sua obra. O fato é que a nossa vida terrena é fugaz comparada até na Bíblia com a neblina, com o sopro, com um fio de fumaça. Que d. Beth esteja na paz do Senhor, ao lado do seu queridíssimo filho Mário. Ela plantou na sua caminhada terrena entre as pedras do caminho sementes de amor, que germinaram e cresceram. Ela jamais será esquecida por sua imensa descendência. (*) É médico.