Emoção
Regalos natalinos

Época de emoções torrenciais, quando se sentem ainda mais as ausências de parentes queridos que já não estão conosco, o período natalino tem seus costumes, entre os quais os presentes. São regalos que abastecem a sanha consumidora da época; contudo, os melhores são aqueles gratuitos ou quase, e que falam ao coração. Sem desprezar o nosso rico folclore natalino e o sucesso recorrente da cantora Simone, vale ressaltar algumas criações humanas geniais que têm o poder de agregar tanta qualidade que se tornaram eternas.
Daí que nenhuma época do calendário tem melhores perspectivas para elas do que o período natalino. Poderemos ter emoções a baixo custo? Sim. Dou o exemplo de quatro obras monumentais que elevam o espírito há décadas ou mesmo séculos: “A Missa do Galo”, de Machado de Assis; “As Quatro Estações”, de Vivaldi; “A Paixão segundo São Mateus”, de Johann Sebastian Bach; e o balé “O Lago dos Cisnes”, de Tchaikovsky.
“A Missa do Galo” é um conto considerado entre os melhores de Machado de Assis. Nele, um personagem de 17 anos, enquanto aguarda a hora para a Missa do Galo, flerta com uma mulher chamada Conceição, no que parece um espocar de uma paixão juvenil, digna das adolescências de ontem e de hoje. Está disponível no livro “Machado de Assis: seus melhores contos” e gratuitamente na internet.
Antônio Vivaldi (1678–1741), em suas “Quatro Estações”, embora sacerdote, dá o passo definitivo para a música instrumental profana, enveredando por um caminho que levará diretamente à obra de Bach. Sobreviveu-lhe apenas a figura lendária de um padre esquisito, de cabelos ruivos, que teria sido excomungado porque, certa vez, durante a missa, ocorrendo-lhe uma bela melodia, correu para a sacristia para anotá-la, abandonando o altar no momento sacrossanto da transubstanciação eucarística. Entre as suas obras, “As Quatro Estações” é a mais popular, sendo executada durante todo o ano e, em especial, no Natal, em igrejas católicas europeias. Tive uma oportunidade de ouro ao acompanhar sua apresentação na Igreja de São Bartolomeu, à margem do Grande Canal, em Veneza. A obra está facilmente disponível no YouTube.
Johann Sebastian Bach (1685–1750) ficou famoso como o maior organista de seu tempo, já que seus contemporâneos consideravam Telemann um maior compositor. Bach surgiu com a Reforma e foi considerado um filho espiritual de Lutero, que, além de líder da Reforma, homem de Deus e testemunha do Verbo, tinha por lema “vinho, mulher e música”. Como nenhum outro filho espiritual de Lutero, soube Bach “sincronizar” os dois mundos: este e o outro. A harmonia perfeita entre ambos afigurava-se-lhe garantida pelas regras do contraponto, que são as mesmas na Terra e no Céu, acreditava.
Segundo Otto Maria Carpeaux, em sua obra “Uma nova história da música”, Bach é o maior compositor de todos os tempos. Entre suas criações maiores estão as fugas e as cantatas. A “Missa em Si Menor”, contudo, é a maior obra de Bach e, talvez, a maior de toda a música ocidental. É uma catedral invisível, a mais alta que já foi construída. “A Paixão segundo São Mateus”, todavia, é sua obra mais famosa e é tão dramática quanto os grandes oratórios de Handel, sobretudo nos coros do povo, curtos e de profunda emoção religiosa; “capaz de converter ateu”, segundo seus contemporâneos.
Nos últimos 25 anos, só foi interpretada uma vez no Brasil, na Sala São Paulo, pela OSESP, quando, entre a orquestra e os dois corais, mais de 400 figurantes estavam no palco.
“O Lago dos Cisnes”, embora não esteja entre os maiores trabalhos de Tchaikovsky (1840–1893), é o balé mais popular do Ocidente, uma vez que é encenado regularmente a cada ciclo natalino. Suas sinfonias têm execução constante no Ocidente. Sua vida, relativamente curta, foi marcada por desastres: casou-se cedo e logo se separou; foi um homem patológico, rejeitado e perseguido por sua homossexualidade. “O Lago dos Cisnes” está disponível gratuitamente no YouTube e tem a vantagem de poder ser apreciado com deleite por toda a família, inclusive pelas crianças, que entenderão facilmente o enredo de amor entre o príncipe e a princesa encantada versus o feiticeiro. Está disponível gratuitamente na internet uma versão histórica de “O Lago dos Cisnes”, com Rudolf Nureyev e Natalia Dudinskaya. Um Natal a baixo custo, com paz, harmonia e bom gosto para todos.
