Opinião
Sobre propostas indecentes

Nossos papais não viviam assim tão mal no paraíso. Dormindo e acordando com os anjos, com a consciência tranquila, encostavam suas cabeças na relva macia e ressonavam com uma fé inquebrantável no futuro. Não havia espaço nem tempo para o pecado. Sequer sabiam de sua existência. Naquele oásis do prazer (espécie de parlamento brasileiro) ? mais tarde transformado em vale de lágrimas ? de tempos em tempos só uma coisa inquietava, a meiga Eva: a árvore de frutos proibidos. Por que, meditava ela, é expressamente vedado experimentar dessa fruta tão aromática, aparentemente tão gostosa? A pergunta sem resposta pairaria no ar até que a maldita serpente se enroscasse sorrateira nos pés da mocinha e cochichou-lhe que deixasse de ser tola e preconceituosa, aquela era a árvore da sabedoria. Aproveitou a oportunidade e colocou toda a mágoa para fora: falou mal de Deus, que Ele não passava de um prepotente e arrogante narcísico e ? não esquecer ? um grande e consumado egoísta, posto querer tudo para si. ?Meta a cara sem medo e corra para o abraço, menina?, despediu-se a cobra. Ainda hoje pagamos o mico. Foi a primeira proposta indecente. Nos anos 90 do século passado, o cinema, através de Demi Moore e Robert Redford, encarnou a história de uma personagem milionária vivida por Redford que faria uma proposta (?irrecusável??), tipo ?pegar ou largar?, ao endividado marido de Demi. O galã milionário pagaria um milhão de dólares para uma noite de amassos e outros que tais com a gostosa esposa alheia. Sobrevivemos ao místico e ao artístico. Nesse intertexto, o Congresso brasileiro, um dos mais escandalosos do planeta, não para de fazer das suas. Aliás, estou cada vez mais convencido de que não uma, mas várias serpentes assinam ponto em Brasília. Se assim não fosse, como explicar o envolvimento em ?excessos patrimoniais? com passagens aéreas de pilombetinhas, como Gabeira, Suplicy e Heloísa, Evas de inocência num Éden de serpentes? Pois é, de um Congresso cuja credibilidade rasteja, duas propostas indecentes ameaçam prosperar: o adiamento às calendas do pagamento dos precatórios, dívidas irrecorríveis do Estado com o cidadão. Já aprovado no Senado, é de uma maldade sem tamanho. Imoral e insana, é a proposta do deputado federal Sandro Mabel, de Goiás, que pretende esticar o mandato dele e dos companheiros para 2012. De quebra, na incerteza da cura de Dilma Rousseff, dois anos de lambujem para Lula. (*) É médico e professor da Ufal.